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Há palavras que nunca chegam ao destino...fazem uma longa e amarga travessia pela solidão dos sentidos e morrem na escrita destas crónicas.

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Há palavras que nunca chegam ao destino...fazem uma longa e amarga travessia pela solidão dos sentidos e morrem na escrita destas crónicas.

Memórias dos Pantufinhas Emprestados

por aspalavrasnuncatedirei, em 07.02.09

 

Criança triste nos braços da mãe

Imagem Retirada da Internet

 

 

Pedi aos meus alunos na última aula que elaborassem uma memória a propósito do discurso autobiográfico que estou a leccionar. Sugeri-lhes que fizessem um texto sobre o melhor momento das suas vidas, ou o pior, ou ainda o mais divertido. Não havia restrições, não havia limites, apenas eles, os seus sentimentos, a folha de papel e a caneta. Disse-lhes ainda que manteria sigilosos os trabalhos, se assim o desejassem. O objectivo desta actividade era fazer com que aplicassem as características que tinham aprendido sobre o texto memorialístico, entrassem nos seus corações, transmitissem os seus sentimentos e analisassem a importância do acontecimento escolhido nas suas vidas. Nada me preparou para o que iria ler a seguir… Levei os trabalhos para casa e li aqueles que diziam “confidencial”. Ainda me custa a acreditar no que li… Os meus Pantufinhas Emprestados, apesar de terem acabado de entrar na adolescência, são em grande número marcados pelo sofrimento (que eu desconhecia por completo) e têm uma alma extraordinariamente sensível (mas isso eu já sabia). Alguns deles exorcizaram os seus maiores desgostos de uma forma que nunca me tinha sido dada a ler. Estes miúdos desabafaram sobre a morte de alguém que lhes foi muito querido e sobre doenças que teimam assombrar os seus lares. Uns relataram a tristeza que sentiram quando os pais se divorciaram e que também os invadiu quando voltaram a constituir uma nova família. Outros descreveram os maus tratos a que foram sujeitos por parte dos progenitores, e a vida familiar marcada pela violência doméstica, pelas agressões e espancamentos que vitimam as mães. A Matilde recordou episódios em que o pai espancava mãe na presença dos filhos, e quando os seus ataques de loucura eram intensos, acabava também por estender a violência a ela e aos irmãos. Li uma história de uma aluna que recordou uma situação vivida aos 5 anos quando assistiu ao abuso sexual de uma outra criança, que na sequência desse acto foi encontrada morta. Fiquei com o coração apertado de tantas desgraças que li. Na aula de hoje era suposto eu ler os trabalhos, mas apenas dos alunos cujos textos não fossem “confidenciais”. Tencionava corrigi-los a nível da forma e do conteúdo e tecer considerações sobre os aspectos positivos e aqueles que precisavam ser melhorados. A turma estava muito receptiva à actividade, as memórias que ia lendo falavam dos mais variados assuntos: as Verões inesquecíveis que já tinham vivido, a cumplicidade com os amigos, as tropelias da infância, a primeira bicicleta, o primeiro beijo. No meio dos papéis surgiu-me o trabalho da Teresa cujo texto me fizera chorar na noite anterior e informei os colegas que não o iria apresentar. Apesar do “confidencial” escrito na sua folha de papel, a aluna pediu-me para o ler. Senti a voz a abandonar-me e o fio que restou a tremer. Lentamente começo a leitura da memória do funeral da sua mãe: o som do rebate dos sinos, a cova escura para receber o seu corpo, o choro de desespero dos familiares mais próximos. Doeu-me ler a tristeza que sentia por perder a mãe, mas também a amargura por perder a juventude em prol do apoio que tem de dar ao pai e aos irmãos. A Teresa cuida da casa e da família, herdou da mãe a responsabilidade de dar sentido e continuidade à vida daqueles que a rodeiam. Em plena aula, as lágrimas desceram silenciosas pelo meu rosto… não as consegui esconder. Depois disto, também o Lourenço me pediu para ler o seu texto. Em duas tristes páginas este aluno descreve a primeira coisa que faz ao acordar - beijar a fotografia que se encontra perto da cama. O rosto que recebe o beijo é o da sua mãe também falecida. Linha a linha descreve a forma como recebeu a notícia, a falta que a presença materna lhe faz, as saudades que sente. «-Como vou crescer sem o seu abraço, sem os seus beijos sem os miminhos da minha mãe?»  perguntava ele em pequenito. Termina com a ideia que é nos sonhos que a encontra e que a sente mais próxima. As lágrimas continuavam a deslizar pelo meu rosto e aquele texto singelo contagiou toda a turma, não só o Lourenço chorava, como a grande maioria dos seus amigos se emocionaram com a descrição da sua dor. Um outro trabalho que me tocou profundamente foi o do Alberto que explicava a forma como a Ritalina alterou a sua vida, lembrava-se das alucinações que sentiu aquando da primeira toma, da estranheza de emoções que o medicamento lhe desencadeou. O que mais me sensibilizou naquela leitura foi o facto de ele reflectir sobre o facto de se sentir viciado: a ressaca quando não a toma, o corpo a acusar a necessidade e a pedir-lhe mais. Interrogava-se sobre se deveria ou não continuar medicado, se não lhe estaria a fazer mais mal que bem, se não seria melhor procurar noutro sentido a solução para a agitação do seu corpo e da sua mente. Quando a campainha tocou, tinha o coração apertado mas transbordante de afecto por estes Pantufinhas Emprestados que crescem cada vez mais infelizes e sem um farol que os guie. No livro das minhas memórias também fica registada esta aula, em que estivemos tão próximos. Oxalá daqui a uns anos também eu faça parte das memórias deles, e que sejam boas memórias. É isto que sou, é isto que faço. Ser professora faz parte de mim, da minha alma, da minha essência.

(todos os nomes utilizados no post são fictícios)

 

 


How Could an Angel Break My Heart - Toni Braxton

 

Ensino em Portugal - Visto Pelos Pais

por aspalavrasnuncatedirei, em 20.10.08

 

 

A minha caixa de correio electrónico é diariamente entupida por e-mails relacionados com as polémicas da educação. Esta carta de uma Encarregada de Educação dirigida à Ministra foi sem dívida o melhor que li. Desconheço a autoria, mas está genial.

 

Colegas: que vos faça rir.

Pais: que vos faça reflectir…

 

Ema. Sra. Ministra: 

1. Logo depois de ter lido aqueles documentos sobre a avaliação dos professores, pensei como lhe deveria agradecer, Srª Ministra. Afinal, aquelas horas passadas diariamente junto do meu filho a verificar se os cadernos e as fichas estavam bem organizados, a preparar a mochila e as matérias a estudar para o dia seguinte, a folhear a caderneta escolar, a analisar e a assinar os trabalhos e os testes realizados nas muitas disciplinas, a curar a inflamação de uma garganta dorida pela voz de comando 'Vai estudar!' ou pela frase insistentemente repetida, de 2ª a 6ª feira: 'Despacha-te, ainda chegas atrasado!' ou o incómodo e o tempo perdido para o levar diariamente à Escola, percorrendo, mais cedo do que seria necessário, um caminho contrário àquele que me conduziria ao meu emprego, tinham finalmente, os seus dias contados. Doravante, essa responsabilidade passaria para a Escola e, individualmente, para cada um dos seus professores. Finalmente, poderei ir ao cinema, dar dois dedos de conversa no Café do Sr. Artur, trocar umas receitinhas com a minha vizinha (está entrevadinha, coitadinha!) ou acomodar-me deliciosamente no sofá da sala a ver a minha telenovela brasileira preferida.

2. O rapaz ainda me alertou para os efeitos das faltas o conduzirem à realização de uma prova de recuperação. Fiz contas e encolhi os ombros - poupo gasóleo e muitos minutos de caminho, de tráfego e de ajuntamentos. Afinal, ele até é esperto e, se calhar, na internet, encontra alguns trabalhos ou testes já feitos... Sempre pode fazer 'copy - paste'...

Efectivamente, as provas de recuperação parecem-me a melhor solução para acabar com a minha asfixia matinal e vespertina. Ontem, a minha vizinha da frente, que tem dois garotos na escola do meu, disse-me que, se ele continuar a faltar, o vêm buscar a casa, e que, no próximo ano lectivo, os professores vão tomar conta deles depois das aulas.

3. Oiro sobre azul. Obrigada, Srª Ministra. A Senhora é que percebe desta coisa de ser mãe! A Senhora desculpe a minha ousadia, mas será que também não seria possível fazer uma lei para os miúdos poderem ficar a dormir na escola? Bastava mandar retirar as mesas e cadeiras das salas de aula e substituí-las por beliches, à noite. De manhã, era só desmontar e voltar a arrumar. Têm bar, cantina e até duche. Com jeito, eles ainda aprendiam alguma coisinha sobre tarefas domésticas, porque, em casa, não os podemos obrigar a fazer nada ou somos acusados de exploradores do trabalho infantil com a ameaça dos putos ainda poderem apresentar queixa junto das autoridades policiais. Ao Sábado, Srª Ministra, podiam ocupá-los com actividades desportivas ou de grupo, teatro, catequese, escuteiros, defesa pessoal...

4. O ideal mesmo era que os pudéssemos ir buscar ao Domingo, só para não se esquecerem dos rostos familiares. O meu medo, Srª Ministra é aquela ideia que a minha vizinha Sandrinha, aquela dos três garotos, comentava hoje comigo. Dizia-me que a Senhora Ministra quer criar o ensino doméstico. Eu acho que ela deve ter ouvido mal ou então confundiu o jornal da SIC com aquele programa da troca de casais do canal 24. Eu acho que isso não vinga em Portugal, porque não temos a extensão de uma América do Norte ou de uma Austrália e, por outro lado, tinha que comprar e equipar os VEI (veículos de educação itinerante), o que iria agravar mais o deficit das contas públicas e o insucesso dos nossos miúdos. Foi isso eu disse à Sandrinha. Acho que ela deve estar enganada. Logo agora, que podemos respirar de alívio porque não temos que nos preocupar com a escola dos garotos, essa ideia vinha destruir tudo, porque os obrigava a ficar em casa para receberem os VEI e aos pais ainda iria ser exigido algum acompanhamento.

5. A Senhora faça aquilo que decidiu e não oiça o que os inimigos dos pais e das mães lhe tentam dizer (já agora, lembre-se da minha sugestãozita!). Assim, os professores, com medo da sua própria avaliação, passam a dar boas notas e a passar todos os miúdos e, desta forma, o nosso país varre o lixo para debaixo do tapete, porque é muito feio e incomodativo mostrarmos, lá fora, que somos menos capacitados que os nossos 'hermanos' europeus.

Já agora acrescento: obrigado pelas aulas de substituição ... graças a elas o meu filho não sabe o que é brincar ao ar livre, correr, transpirar, cair, conviver... a indisciplina saiu dos recreios para as salas de aula, e por isso mesmo agora até levo o jantar ao quarto do meu filhote..

Uma mãe e encarregada de educação agradecida

 

Why Does My Heart Feel So Bad...

por aspalavrasnuncatedirei, em 14.04.08

Cavaleiro Andante

por aspalavrasnuncatedirei, em 05.04.08

 

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Como um Cavaleiro Andante habitas a prateleira dos livros especiais, moras naquele caderno estimado, de capa aveludada, com o teu cavalo alado, com a tua lança aguçada, com a tua espada, a tua armadura. Adoro sentar-me no chão, abrir-te de página em página e ouvir-te contar histórias sem nunca me cansar do teu «Era Uma Vez...». Contas tudo com um sorriso de menino, convences-me que todas as batalhas estão ganhas, que todas as vitórias são tuas e que no final do dia, voltas sempre para casa, voltas sempre para mim... cansado mas ufano, esgotado mas feliz. E eu, na varanda enluarada, noite após noite, espero por ti. Sinto a minha alma desprender-se na tua direcção, vejo-a a vaguear pela linha do horizonte ansiando a tua chegada, com o cabelo ao vento e o véu do vestido a esvoaçar. Mas tu não chegas… a lua dá lugar ao sol, o dia dá lugar a outro dia, a noite a outra noite, e eu espero… espero… espero... É então que oiço a tua voz dentro do livro a chamar por mim. Corro para te agarrar, para te tocar, para te dar um beijo, para te sentir, mas… és feito de papel, és uma personagem imaginária, o príncipe idealizado, o homem inexistente que apenas sonhei… Porque proteges os desafortunados e te esqueces de mim? Porque salvas o mundo e me deixas perder? Porque procuras recompensas se tens todo o meu amor? Nesses instantes a casa, que outrora foi um lar, transforma-se numa torre onde me sinto uma princesa agrilhoada, esta torre é tão real, tão fria, tão triste, tão intransponível. E a solidão mancha as páginas do livro, cobre tudo de negro, escurece as páginas que outrora foram pinceladas de cor-de-rosa. As lágrimas escorrem e esborratam as letras douradas da história que foi nossa. A tua imagem dilui-se, a tua voz dissipa-se, o meu amor esvai-se…

Sozinha

por aspalavrasnuncatedirei, em 09.03.08

 

Imagem Retirada da Internet

 

O relógio na parede do quarto insiste em tiquetaquear, num compasso binário, badaladas tristes ao meu ouvido: só…zinha… só…zinha… só…zinha. Na janela batem pingos de lágrimas que as nuvens deixam cair em sintonia com os pingos de chuva dos meus olhos. A lua reflecte em sombras minguantes aquilo que foram dois corpos que se amaram e as estrelas cintilam sorrisos em ecos perdidos aos meus ouvidos. Entra o vento, sem permissão, pela porta que deixo entreaberta à espera do teu regresso e varre, sem a minha autorização, a tua presença (espectro teimoso) que ainda vagueia por aqui. Olho para o livro da minha vida e penso que será mais fácil viver e ser feliz se arrancar, uma a uma, as páginas do que vivi contigo. Então, com mãos decididas, arranco o dia em que te conheci, pico com pionés todos os beijos que te dei, corto com a tesoura as palavras que dissemos, utilizo o x-acto para afastar o teu corpo do meu. Apago, com borracha áspera, os sonhos por realizar e com um compasso desenho dois círculos afastados para cada um de nós. Como se tudo isto não bastasse meto-te debaixo do pisa-papéis para que de lá não saias, para que a tua recordação de lá não volte. E se ainda não for suficiente e se mesmo assim insistires muito, meto-te num triturador de papéis para ter a certeza que vais desaparecer de vez. Com a vida em pedaços, olho para os destroços que se espalharam pela cama… e as lágrimas percorrem salgadas a minha pele que dizias ser doce. Não quero que seja assim… dói ainda mais. Lentamente decido-me a fazer bricolage com a vida,  e com Super-Cola 3, colo cada bocadinho de ti… cada bocadinho de mim… cada bocadinho de nós… apago com fita-cola o que disse e não devia ter dito, e com corrector desfaço o que fiz e não devia ter feito. Com agulha e dedal volto a unir os nossos pedaços e com uma aguarela cor-de-rosa preparo-me para redesenhar um novo destino.

Eu Quero O Meu Pai

por aspalavrasnuncatedirei, em 13.01.08

 

 

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«- Eu quero o meu pai.» dizes tu entre lágrimas e soluços, entre mágoas e birras, entre o papel de vítima e o de agressor. Desconheces o poder destrutivo que essa frase tem sobre mim… Quando a dizes, sinto todo o meu mundo ruir, sinto as pedras do castelo altaneiro que edifiquei, implodir sem aviso prévio. Sinto debaixo dos meus pés um buraco enorme que me traga de um só sorvo, sinto que o Sol explodiu e que apenas me rodeia a mais negra escuridão. «- Eu quero o meu pai!» amuas tu sempre que te lembro que não são as moedas do Monopólio que pagam as despesas aqui de casa, que só nos filmes da Disney os heróis não se magoam quando correm e saltam heroicamente, quando te lembro que a Escola é importante na nossa vida. Na tua porque aprendes a socializar-te, aprendes a comunicar com os outros, a conhecer as suas realidades, estás integrado num Universo onde só brincam os meninos como tu, onde os príncipes e dragões ganham existência real, onde o pátio do recreio ganha a dimensão de um estádio de futebol, onde entre ganchos e saias de folhos conheces novas namoradas. Para mim porque é onde me realizo numa outra faceta que está para além de ti, do que representas, e porque é a única forma de ser independente e de te poder proporcionar aquilo que acho importante para ti. «- Eu quero o meu pai.» choramingas quando te recordo que é preciso tomar banho e lavar os dentes todos os dias, quando insisto que os talheres são para serem utilizados, quando te lembro que é na brancura das folhas que se fazem desenhos, que não podes comer gomas e chocolates sempre que te apetece e que para cresceres precisas de muito mais do que canja. «- Eu quero o meu pai… mas eu amo-te mamã, quero estar sempre contigo e és a minha namorada.» E as lágrimas deslizam tristes pela minha cara abaixo…

Irremediavelmente Perdido...

por aspalavrasnuncatedirei, em 26.12.07

 

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Percebi com o coração a sangrar que há coisas que estão irremediavelmente perdidas. As decisões que tomamos não nos afectam apenas a nós, afectam todo um universo de pessoas e coisas que giram à nossa volta. Who said it would be easy? Perderam-se tantas pequenas coisas que, provavelmente, não tínhamos reparado que na sua pequenez eram tão importantes… Perdeu-se o aroma doce da casa (qual casa?) que vagueava pelo ar, assim como o som das músicas natalícias que se entrecruzavam com vozes e gritos. Perdeu-se a sabedoria das avós às voltas com aventais, e temperos, com o bacalhau e o peru. Perdeu-se o requinte do avô na escolha do vinho da consoada e o brilho dos copos de cristal que o recebiam. Perderam-se os amigos no vaivém da campainha, plenos de sorrisos, de presentes, de frio. Perdeu-se para eles a mesa convidativa ao pecado da gula e a lareira quente convidativa ao descanso. Quanto às grandes coisas perdidas, essas… é mais doloroso lembrar. Perdeu-se o acordar de manhã com a alegria da família em mais um dia mágico por viver; perdeu-se a cumplicidade em criar à nossa volta, e para todos aqueles que amamos, um ambiente acolhedor e envolvente, perdeu-se a criação de uma noite de faz-de-conta para os Pantufinhas que ainda acreditam em sonhos e fadas, renas e trenós. Perderam-se à mesa os saberes, os sabores, as gargalhadas e as histórias ancestrais, perdeu-se a impaciência dos miúdos para quem o relógio é um inimigo declarado que existe só para retardar a felicidade. Perderam-se os abraços apertados, os beijos agradecidos e carinhosos, o reconhecimento que o Natal é a família harmoniosamente junta. Perdeu-se a Família… Por muito que cada um de nós se esforce por manter inquebráveis alguns laços… o tempo encarregou-se de transformar o mais sólido aço, no mais frágil cetim. Por muito o bacalhau tenha sido bem preparado, só as espinhas nos desceram na garganta… por muito doce que a sobremesa estivesse, só se sentiu o acre do limão… por muito que o Pai Natal estivesse presente apenas se sentiu o vazio deixado pela sua ausência… por muito que dormisse entre dois anjos… não me senti no céu.



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Onde Está o Natal?

por aspalavrasnuncatedirei, em 21.12.07

 

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Sempre adoraste o Natal. Desde que te conheci que o teu rosto se iluminava, como o de uma criança pequena, quando as luzes das ruas e ruelas se acendiam, quando os pinheiros invadiam as casas, quando os presépios se erguiam nas almas, quando se ouviam os cânticos por aqui e por ali e quando o frio nos gelava a alma mas nos aqueci o coração. Parecias um menino rabino quando nas lojas, apinhadas de pessoas felizes como tu, te embrulhavam os presentes, sempre em cima da hora, sempre no último dia, sempre no último minuto. Nunca percebeste a minha angústia nesta data (possivelmente só este ano o perceberás), nunca entendeste que para mim não havia família, não havia árvore, doces, ou presentes, não havia Natal. Eu sei o quanto te esforçaste para me contagiar com a tua alegria, com a tua felicidade, mas só quando o Universo nos brindou com o melhor presente que poderíamos ter, entendi o que dizias. Senti então a magia no ar, percebi o brilho das bolas, saboreei o doce dos fritos, deixei-me envolver pelo calor da lareira, perdi-me no sorriso contagiante e feliz de dois pequenos duendes. Compreendi então que não estava sozinha (e que provavelmente nunca mais iria estar) senti o que era o amor e o que era ser amada. Mas neste Natal… o pinheiro mantém-se espadaúdo na floresta; o musgo continua a alcatifar as pedras, as bolas perderam o brilho, o peru ficou na capoeira, o bacalhau continua a mergulhar na Noruega, e o Pai Natal ficou a aquecer-se à lareira…

 

Coisas Pequenas

por aspalavrasnuncatedirei, em 22.11.07

 

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Sinto falta de coisas pequenas... tão insignificantes como acordar e sentir o calor de um corpo quente ao meu lado, ou de um abraço protector de “Bom Dia” ou ainda, de um beijo doce de “Toca a levantar”. Sinto falta da partilha das alegrias diárias que fazem com que a vida valha a pena, da partilha de banalidades, que não acrescentam nada aquilo que sou, da partilha de desilusões, de medos, e de chatices que  doem mas que me fazem crescer. Sinto falta de coisas tão pequenas como partilhar aquilo que sou com alguém que me conhece… que não precisa de palavras para sentir o que me vai na alma... que não precisa que eu peça porque sabe sempre o que penso… que não precisa do verbo... para fazer a vontade. Fazem-me falta coisas tão pequenas como saber como estou, o que comi, como me sinto, como é a minha vida, o que ganhei e o que perdi, o que conquistei e onde fui derrotada… Sinto falta de ver reconhecidos os meus sacrfícios, que interprete os sinais da minha amargura pela profundidade das minhas olheiras, da indagação das minhas preocupações, visíveis na falta de brilho dos meus olhos, da compreensão do motivo das minhas noites de insónia. Sinto falta da palavra certa, no momento exacto, bem como, do reconhecimento que há momentos em que no silêncio se diz tudo.

Divorciados Anónimos

por aspalavrasnuncatedirei, em 04.11.07

 

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Toda a gente nos dá pancadinhas nas costas e nos diz «-É pá, isso vai-te passar num instante», como se estivéssemos com uma constipação. Mas um divórcio tem mais a ver com um fundo alérgico permanente do que com um estado inflamatório agudo. Primeiro, porque numa reacção condicionada, ficamos alérgicos ao casamento. E depois, porque as pessoas ficam alérgicas a nós. E ficamos de fora nos jantares de casais, nas férias de casais, nos fins-de-semana de casais. Somos um número ímpar, que não serve para nada, nem para desempatar. O mundo está pensado a dois, quase tudo funciona aos pares, desde a volta da Roda Gigante até aos prémios de viagens. No Natal sentimo-nos avulso e nos casamentos sentimo-nos deslocados, olhamos para os noivos e pensamos secretamente: coitadinhos, ainda há-de chegar o vosso dia.
Mas nem sempre tudo é mau. Se uma pessoa se divorcia, em princípio, é para se ver livre de um chato ou de uma chata qualquer. É para mudar de vida, e quando se muda, espera-se que seja para melhor. As mulheres encurtam as saias, vão para a ginástica, pintam o cabelo e passam a guiar com a música aos gritos e a janela do carro aberta, porque, citando um amiga minha que é uma sábia nestes assunto do coração, o príncipe está em toda a parte. E eles, os sapos candidatos a príncipes que regressam à arena, alugam um apartamento pequeno numa zona in, adquirem uma aparelhagem XPTO e um sistema de TV, DVD Video & Colunas Sensoround Inc. e compram um descapotável. É um clássico. Os que não andavam no ginásio, inscrevem-se (…) E, depois de um período de tristeza e neura, recomeça a caça.
Há quem nunca levante a cabeça e saia definitivamente da pseudo penumbra pós traumática de ter a abreviatura Div. no BI. Porque é que não imaginam que Div. também pode ser abreviatura para divertido, diversificado, diversão? Os ex inconsoláveis são a raça mais chata do mundo, porque ou ficam neuróticos e incapazes de se entusiasmar com qualquer outra pessoa, ou decidem vingar-se no próximo ou próxima o mal que sofreram. Nestes casos, o melhor é guardar distância e esperar que lhe passe a estupidez. A alguns nunca passa, mas isso é problema deles. E depois há aqueles que gostam imenso de se casar e por isso não descansam enquanto não encontram um para que também goste de praticar o mesmo desporto. Os que gostam de se casar estão sempre safos, porque como geralmente as mulheres também ligam muito a estatuto, encontram com facilidade uma consorte. Mas estes são poucos, porque uma coisa que se descobre depois de levar com o carimbo do div. no BI é que se pode namorar até ao fim da vida, sem ninguém ter que se casar outra vez. Só a trabalheira que dá, a festa, os convites, a roupa, a data, a lista, não compensa o esforço. Até porque quem casa segunda vez não se pode ter esquecido do trabalho que deu o divórcio. E quem é que disse que o casamento é o primeiro passo para o divórcio? Um cínico qualquer que também era lúcido.
Se a vida te dá limões, faz limonadas. Isto foi o que me ensinou uma amiga minha que já fez imensas limonadas com os limões que o marido lhe foi dando ao longo da vida. Quando lhe perguntei porque é que com tanta tourada nunca se tinha separado, respondeu que não valia a pena porque eram todos iguais e além disso ela achava que ele era a metade da laranja dela. E não pensem que se trata de uma engenheira agrónoma, gosta é de fruta. Esta conversa da metade da laranja sempre me deixou um bocado confusa. É que hoje em dia somos tantos biliões, como é que eles lá em cima têm tempo para separar as almas? E se a minha metade estiver em Laos, tiver a pele amarela, um metro e vinte e nove a trabalhar na apanha do arroz?
Agora a sério, depois do divórcio fica-se com um certo medo de não voltar a acertar. E por isso, na maior parte das vezes, é melhor não arriscar. Estar casado não é um estado civil, é um estado
de espírito e estar divorciado que é como quem diz, solteiro, também é. Até porque como hoje deve haver mais divorciados do que casados, o estigma já é muitas vezes ainda estar casado. As pessoas perguntam por um amigo que não vêm há anos: fulano de tal ainda está casado? Como se se tratasse de um feito histórico com direito a condecoração.
O exercício que se propõe aqui é o seguinte: uma pessoa tem ou não feitio para estar casada? Uns sim, outros não. E os que não têm, não devem ser dementes e repetir os mesmo erros à espera de resultados diferentes. O problema é que os homens, que pensam que não têm, quase sempre não passam sem uma mãezinha que lhe ponha a vida em ordem. E as mulheres, mesmo as mais independentes, sentem a falta de alguém que lhes aconchegue os lençóis à noite e pendure os varões das cortinas novas do quarto das crianças.
Resumindo e concluindo, se calhar andamos todos a brincar às pessoas autónomas, quando no fundo no fundo adorávamos encontrar alguém que gostasse mesmo de nós e para quem nós fossemos mesmo importantes. A tal cara-metade ou metade da laranja que às vezes nos sai cara. Vai uma limonada?
Margarida Rebelo Pinto

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