Olá meninos (as). Desde Setembro que temia a chegada deste dia e vocês também sabiam que eu estava apenas a substituir a Professora P. e que mais tarde ou mais cedo me iria embora. Estes últimos dias de aulas foram extraordinariamente tristes e difíceis para mim. Deixo para trás uma Escola onde fui bem recebida, despeço-me de colegas e de novos amigos… e o pior de tudo… digo adeus a cada um dos "meus meninos". No meio desta minha angústia, tenho lamentado a profissão que escolhi, tenho-me perguntado se vale a pena tantos sacrifícios por uma profissão que não é minimamente reconhecida ou valorizada, se vale a pena continuar a insistir em concretizar este sonho. Quero pedir desculpa se não correspondi às vossas expectativas, lamentar se não consegui fazer-vos gostar da minha disciplina, se não fui capaz de ensinar como vocês gostariam de aprender. Sei que não agradei a “Gregos e a Troianos”, que vocês não gostaram dos ralhetes que vos dei, mas acreditem, a intenção foi a melhor possível, acima de tudo tentei sensibilizar-vos que vivemos tempos difíceis onde só os melhores triunfam e que se vocês decidirem preguiçar agora, vão pagar uma factura muito cara daqui a uns anos. Eu acredito que a vossa geração fará a diferença, confio na vossa sensibilidade e sabedoria para construírem uma sociedade melhor e foi por isso que fui sempre tão exigente. Quero também agradecer-vos a forma carinhosa com que sempre me trataram, os sorrisos, os olhares cúmplices e principalmente, agradeço-vos tudo o que aprendi convosco. A maior lição que vocês me ensinaram, aprendi-a ao longo desta semana, através das múltiplas manifestações de afecto - cada uma das vossas lágrimas, dos vossos abraços e dos vossos mimos, ensino-me que não tenho de ter medo do futuro, que não devo desistir da profissão que escolhi, pois se vocês, que são aqueles que melhor conhecem e têm condições para avaliar o meu trabalho me dizem que fui uma das melhores professoras que tiveram, que vão ter saudades minhas e que gostam de mim… então fico com a certeza que estou no meu caminho e que vale a pena qualquer sacrifício para continuar a ensinar. Peço-vos ainda que recebam a Professora P. com a mesma alegria e com o mesmo carinho com que me receberam. Dêem-lhe a oportunidade de vos demonstrar que é uma boa professora, sejam solitários com o facto de a minha colega ter estado afastada do ensino durante três anos, passou por momentos difíceis e dolorosos enquanto este ausente, mas que agora tem muita vontade de ultrapassar todas as barreiras e recuperar o tempo perdido. A P. não me foi substituir a mim… fui eu que a substituí a ela… o horário não me pertencia… era dela, por isso, está apenas a ser restaurada a ordem natural das coisas e cabe a cada um de nós aceitar. Também ela ficou triste quando saiu da nossa sala e viu que vocês estavam a chorar por causa da minha partida e, de alguma forma, isso causa-lhe uma sensação de mal-estar. Assim sendo, aqui fica o meu pedido para que sejam para a vossa nova professora de Português o que sempre foram para mim: Pessoas Fantásticas. 10ºA, 10ºB, 10ºC, 10ºD1, 10ºD2, 10ºE da Escola Secundária do Cartaxo vocês são os melhores alunos que um professor pode ter. Beijinho muito grande e até sempre.
Pedi aos meus alunos na última aula que elaborassem uma memória a propósito do discurso autobiográfico que estou a leccionar. Sugeri-lhes que fizessem um texto sobre o melhor momento das suas vidas, ou o pior, ou ainda o mais divertido. Não havia restrições, não havia limites, apenas eles, os seus sentimentos, a folha de papel e a caneta. Disse-lhes ainda que manteria sigilosos os trabalhos, se assim o desejassem. O objectivo desta actividade era fazer com que aplicassem as características que tinham aprendido sobre o texto memorialístico, entrassem nos seus corações, transmitissem os seus sentimentos e analisassem a importância do acontecimento escolhido nas suas vidas. Nada me preparou para o que iria ler a seguir… Levei os trabalhos para casa e li aqueles que diziam “confidencial”. Ainda me custa a acreditar no que li… Os meus Pantufinhas Emprestados, apesar de terem acabado de entrar na adolescência, são em grande número marcados pelo sofrimento (que eu desconhecia por completo) e têm uma alma extraordinariamente sensível (mas isso eu já sabia). Alguns deles exorcizaram os seus maiores desgostos de uma forma que nunca me tinha sido dada a ler. Estes miúdos desabafaram sobre a morte de alguém que lhes foi muito querido e sobre doenças que teimam assombrar os seus lares. Uns relataram a tristeza que sentiram quando os pais se divorciaram e que também os invadiu quando voltaram a constituir uma nova família. Outros descreveram os maus tratos a que foram sujeitos por parte dos progenitores, e a vida familiar marcada pela violência doméstica, pelas agressões e espancamentos que vitimam as mães. A Matilde recordou episódios em que o pai espancava mãe na presença dos filhos, e quando os seus ataques de loucura eram intensos, acabava também por estender a violência a ela e aos irmãos. Li uma história de uma aluna que recordou uma situação vivida aos 5 anos quando assistiu ao abuso sexual de uma outra criança, que na sequência desse acto foi encontrada morta. Fiquei com o coração apertado de tantas desgraças que li. Na aula de hoje era suposto eu ler os trabalhos, mas apenas dos alunos cujos textos não fossem “confidenciais”. Tencionava corrigi-los a nível da forma e do conteúdo e tecer considerações sobre os aspectos positivos e aqueles que precisavam ser melhorados. A turma estava muito receptiva à actividade, as memórias que ia lendo falavam dos mais variados assuntos: as Verões inesquecíveis que já tinham vivido, a cumplicidade com os amigos, as tropelias da infância, a primeira bicicleta, o primeiro beijo. No meio dos papéis surgiu-me o trabalho da Teresa cujo texto me fizera chorar na noite anterior e informei os colegas que não o iria apresentar. Apesar do “confidencial” escrito na sua folha de papel, a aluna pediu-me para o ler. Senti a voz a abandonar-me e o fio que restou a tremer. Lentamente começo a leitura da memória do funeral da sua mãe: o som do rebate dos sinos, a cova escura para receber o seu corpo, o choro de desespero dos familiares mais próximos. Doeu-me ler a tristeza que sentia por perder a mãe, mas também a amargura por perder a juventude em prol do apoio que tem de dar ao pai e aos irmãos. A Teresa cuida da casa e da família, herdou da mãe a responsabilidade de dar sentido e continuidade à vida daqueles que a rodeiam. Em plena aula, as lágrimas desceram silenciosas pelo meu rosto… não as consegui esconder. Depois disto, também o Lourenço me pediu para ler o seu texto. Em duas tristes páginas este aluno descreve a primeira coisa que faz ao acordar - beijar a fotografia que se encontra perto da cama. O rosto que recebe o beijo é o da sua mãe também falecida. Linha a linha descreve a forma como recebeu a notícia, a falta que a presença materna lhe faz, as saudades que sente. «-Como vou crescer sem o seu abraço, sem os seus beijos sem os miminhos da minha mãe?» perguntava ele em pequenito. Termina com a ideia que é nos sonhos que a encontra e que a sente mais próxima. As lágrimas continuavam a deslizar pelo meu rosto e aquele texto singelo contagiou toda a turma, não só o Lourenço chorava, como a grande maioria dos seus amigos se emocionaram com a descrição da sua dor. Um outro trabalho que me tocou profundamente foi o do Alberto que explicava a forma como a Ritalina alterou a sua vida, lembrava-se das alucinações que sentiu aquando da primeira toma, da estranheza de emoções que o medicamento lhe desencadeou. O que mais me sensibilizou naquela leitura foi o facto de ele reflectir sobre o facto de se sentir viciado: a ressaca quando não a toma, o corpo a acusar a necessidade e a pedir-lhe mais. Interrogava-se sobre se deveria ou não continuar medicado, se não lhe estaria a fazer mais mal que bem, se não seria melhor procurar noutro sentido a solução para a agitação do seu corpo e da sua mente. Quando a campainha tocou, tinha o coração apertado mas transbordante de afecto por estes Pantufinhas Emprestados que crescem cada vez mais infelizes e sem um farol que os guie. No livro das minhas memórias também fica registada esta aula, em que estivemos tão próximos. Oxalá daqui a uns anos também eu faça parte das memórias deles, e que sejam boas memórias. É isto que sou, é isto que faço. Ser professora faz parte de mim, da minha alma, da minha essência.
A minha caixa de correio electrónico é diariamente entupida por e-mails relacionados com as polémicas da educação. Esta carta de uma Encarregada de Educação dirigida à Ministra foi sem dívida o melhor que li. Desconheço a autoria, mas está genial.
Colegas: que vos faça rir.
Pais: que vos faça reflectir…
Ema. Sra. Ministra:
1. Logo depois de ter lido aqueles documentos sobre a avaliação dos professores, pensei como lhe deveria agradecer, Srª Ministra. Afinal, aquelas horas passadas diariamente junto do meu filho a verificar se os cadernos e as fichas estavam bem organizados, a preparar a mochila e as matérias a estudar para o dia seguinte, a folhear a caderneta escolar, a analisar e a assinar os trabalhos e os testes realizados nas muitas disciplinas, a curar a inflamação de uma garganta dorida pela voz de comando 'Vai estudar!' ou pela frase insistentemente repetida, de 2ª a 6ª feira: 'Despacha-te, ainda chegas atrasado!' ou o incómodo e o tempo perdido para o levar diariamente à Escola, percorrendo, mais cedo do que seria necessário, um caminho contrário àquele que me conduziria ao meu emprego, tinham finalmente, os seus dias contados. Doravante, essa responsabilidade passaria para a Escola e, individualmente, para cada um dos seus professores. Finalmente, poderei ir ao cinema, dar dois dedos de conversa no Café do Sr. Artur, trocar umas receitinhas com a minha vizinha (está entrevadinha, coitadinha!) ou acomodar-me deliciosamente no sofá da sala a ver a minha telenovela brasileira preferida.
2. O rapaz ainda me alertou para os efeitos das faltas o conduzirem à realização de uma prova de recuperação. Fiz contas e encolhi os ombros - poupo gasóleo e muitos minutos de caminho, de tráfego e de ajuntamentos. Afinal, ele até é esperto e, se calhar, na internet, encontra alguns trabalhos ou testes já feitos... Sempre pode fazer 'copy - paste'...
Efectivamente, as provas de recuperação parecem-me a melhor solução para acabar com a minha asfixia matinal e vespertina. Ontem, a minha vizinha da frente, que tem dois garotos na escola do meu, disse-me que, se ele continuar a faltar, o vêm buscar a casa, e que, no próximo ano lectivo, os professores vão tomar conta deles depois das aulas.
3. Oiro sobre azul. Obrigada, Srª Ministra. A Senhora é que percebe desta coisa de ser mãe! A Senhora desculpe a minha ousadia, mas será que também não seria possível fazer uma lei para os miúdos poderem ficar a dormir na escola? Bastava mandar retirar as mesas e cadeiras das salas de aula e substituí-las por beliches, à noite. De manhã, era só desmontar e voltar a arrumar. Têm bar, cantina e até duche. Com jeito, eles ainda aprendiam alguma coisinha sobre tarefas domésticas, porque, em casa, não os podemos obrigar a fazer nada ou somos acusados de exploradores do trabalho infantil com a ameaça dos putos ainda poderem apresentar queixa junto das autoridades policiais. Ao Sábado, Srª Ministra, podiam ocupá-los com actividades desportivas ou de grupo, teatro, catequese, escuteiros, defesa pessoal...
4. O ideal mesmo era que os pudéssemos ir buscar ao Domingo, só para não se esquecerem dos rostos familiares. O meu medo, Srª Ministra é aquela ideia que a minha vizinha Sandrinha, aquela dos três garotos, comentava hoje comigo. Dizia-me que a Senhora Ministra quer criar o ensino doméstico. Eu acho que ela deve ter ouvido mal ou então confundiu o jornal da SIC com aquele programa da troca de casais do canal 24. Eu acho que isso não vinga em Portugal, porque não temos a extensão de uma América do Norte ou de uma Austrália e, por outro lado, tinha que comprar e equipar os VEI (veículos de educação itinerante), o que iria agravar mais o deficit das contas públicas e o insucesso dos nossos miúdos. Foi isso eu disse à Sandrinha. Acho que ela deve estar enganada. Logo agora, que podemos respirar de alívio porque não temos que nos preocupar com a escola dos garotos, essa ideia vinha destruir tudo, porque os obrigava a ficar em casa para receberem os VEI e aos pais ainda iria ser exigido algum acompanhamento.
5. A Senhora faça aquilo que decidiu e não oiça o que os inimigos dos pais e das mães lhe tentam dizer (já agora, lembre-se da minha sugestãozita!). Assim, os professores, com medo da sua própria avaliação, passam a dar boas notas e a passar todos os miúdos e, desta forma, o nosso país varre o lixo para debaixo do tapete, porque é muito feio e incomodativo mostrarmos, lá fora, que somos menos capacitados que os nossos 'hermanos' europeus.
Já agora acrescento: obrigado pelas aulas de substituição ... graças a elas o meu filho não sabe o que é brincar ao ar livre, correr, transpirar, cair, conviver... a indisciplina saiu dos recreios para as salas de aula, e por isso mesmo agora até levo o jantar ao quarto do meu filhote..
Preparo-me para a apresentação da sessão de leitura no EP. O que é que vou vestir? Como me dizia o António, que já anda nestas lides há mais tempo «-Tens que ir lá para dentro feia!». Mas que antítese… As mulheres passam a vida a tentar embelezar-se, e eu tenho que “enfeiar-me”.Decido vestir calças, mas que calças? Ou são justas e notam-se as curvas, ou são bermudas e vêem-se as pernas. E no andar de cima? Os tops são muito justos, as camisas um pouco transparentes, as camisolas decotadas… Era mais fácil se estivéssemos no Inverno, umas calças de ganga e uma gola alta resolviam o problema. Decido-me por umas calças pretas, um top branco e uma camisa branca por cima. Apanho os caracóis com um elástico, não me pinto, não me perfumo, não uso adereços. Saio de casa e penso no projecto que vou desenvolver. Estaciono o carro no atrium do EP. Invade-me uma sensação de pânico que tenho dificuldade em controlar, estou tão nervosa… Combinei encontrar-me com a Dra. Teresa mais cedo para podermos conversar sobre as sessões de leitura e sobre os reclusos. Saio então do carro, dirijo-me ao portão e toco à campainha. Só eu sei o quanto o meu coração bate, só eu sei a importância que este trabalho tem para mim, o que ele significa. Surge um guarda que me encaminha para o detector de metais. O alarme ecoa e eu sinto-me do tamanho de uma formiga, ou pior, sinto-me uma criminosa que acabou de ser apanhada em flagrante. O meu coração bate descompassado, sou revistada e percebemos que o que accionou o alarme foi o cinto das minhas calças. A Dra. Isabel tranquiliza-me com a sua expressão, tem um sorriso terno e deixo-me acalmar pela doçura dos seus olhos. Falamos superficialmente sobre os reclusos que estão na sessão de leitura, nunca quis saber o que os levou a estar aqui, o que fizeram, porque o fizeram. Não é esse o meu papel, não é para isso que ali estou. «-Vamos passar à zona prisional», oiço-a dizer, e o meu coração, que já tinha sossegado, sobressalta-se novamente. Começa então a minha peregrinação por um edifício austero, onde a cada 5 metros há um portão de ferro enorme, há uma chave gigantesca que a abre. Cumprimento os guardas a que vou sendo apresentada. É então que contacto com um cenário para o qual não me havia preparado. Ao entrar na zona prisional começo a ouvir gritos, assobios, as grades a abanar. Dezenas de homens “enjaulados”, como animais ferozes, que não ficaram indiferentes à minha entrada naquele espaço. Faço de conta que não oiço, sigo em frente, não baixo a cabeça, mas também não olho ninguém nos olhos e lá vou eu escoltada até à biblioteca. Fui extraordinariamente bem recebida pelos reclusos que estão a trabalhar na biblioteca. São pessoas simpáticas, educadas, um deles até brinca comigo e diz que fui muito bem acolhida, que tive uma recepção muito calorosa por parte dos «residentes». Lentamente a sala começa a encher, as pessoas olham para mim e trocam sorrisos cúmplices (não é todos os dias que entra ali uma jovem professora loura…). Never smile before Christmast, aprendi este ditado relativamente às Escolas e tenho obrigatoriamente que o usar aqui, não me posso esquecer onde estou. Começo serena, mas segura, por me apresentar, explico que não estou ali na qualidade de professora mas sim de dinamizadora de leitura. Mostro-lhes as capas dos livros para servir de motivação, deixo-os tactear os livros. Apelo para a importância do livro e da leitura. Daqueles homens… conheço dois. Um é o Miguel, morava perto da casa da minha mãe, na mesma rua. Filho de uma família complicada, pais alcoólicos, irmã ligada a drogas e a prostituição, miséria, atrás de miséria. O outro, o André foi meu colega na infância. Lembro-me dele nas piscinas, nos saltos para a água com uma agilidade incrível. Lembro-me perfeitamente: sempre muito bem-disposto, divertido. Há anos que o não via… nunca pensei encontrá-lo ali. Não fiz qualquer menção de o reconhecido, (o que me deixou, e ainda deixa, cheia de remorsos). Não sei que pessoa é ele hoje e não lhe posso atribuir a confiança que um dia teve. O tempo e as próximas sessões me ensinarão como lidar com ele. Não quero ser, ou parecer snob, não quero armar-me em pessoa superior só porque tive uma educação que ele não teve, tive oportunidades que ele não conheceu, fiz escolhas que ele não fez… mas sinceramente… custou-me ficar em silêncio. A sessão vai fluindo, vamos analisando os textos, vão-se ouvindo opiniões, vão-se trocando experiências de leitura. No final, sinto que o balanço é muito positivo, gostaram do projecto que lhes apresentei e ao saírem despedem-se com um «- Até amanhã» se vão voltar, é porque lhes interessou.
Hoje terminei as aulas numa das minhas turmas. Há 10 anos que passo por isto e não me consigo habituar. A última aula dói-me na alma. Olho para as caritas deles e sei que provavelmente não os voltarei a ver. Todos os anos é igual: dizem que gostam muito de mim e que explico bem, dizem que sou muito rigorosa, mas muito carinhosa, e pedem-me para ser novamente professora deles o ano que vem (como se isso dependesse de mim). Trocam-se e-mails, números de telefone, fazem-se jantares de despedida, oferecem-me flores e enchem-me de beijos. Já sei que nos próximos meses, a caixa de mensagens do meu telemóvel vai ser inundada pelo carinho destes meus «pantufinhas emprestados», e assim que me encontrarem online, no msn, vão “meter-se” comigo. Mas em Setembro começarão novamente as aulas e virá uma outra professora que lhes conquistará o coração. E eles guardar-me-ão num cantinho doce e especial do seu coração. Da minha parte, em Setembro, a minha amargura estará ao rubro: estarei desempregada, sem escola, sem ordenado com 1001 perguntas a atormentarem-me a cabeça: «- Quando é que serei colocada?»; «-A quantos quilómetros ficarei de casa?»; «- Quantas horas irei leccionar?»; «- Com que vencimento?». Os dias suceder-se-ão num rosário de tristezas que lembra o condenado à morte, a caminho da cadeira eléctrica. Até quando? Continuo a perguntar eu. Até quando? Sei que não sou a única e que milhares de Professores sofrem na pele a injustiça de um sistema de contratação que não faz qualquer sentido, mas a cada ano que passa sinto que estou a chegar ao meu limite. Gosto muito de dar aulas e sou uma profissional competente, não preciso de estar aqui com falsas modéstias. Mas estou tão farta. Ei, psssttt, pssstttt!!! Sim, sim, vocês que me lêem. Alguém por aí conhece a Ministra da Educação e lhe faz chegar esta minha tristeza? Digam-lhe que http://aspalavrasnuncatedirei.blogs.sapo.pt é uma professora que adora aquilo que faz e que apenas quer trabalhar, dar continuidade aos projectos que inicia, ter a alegria de levá-los até ao fim, prosseguir com os mesmos alunos e não ter que abandoná-los quando eles finalmente estão em “ponto de rebuçado”, sentir a tranquilidade de pertencer ao quadro do sistema de ensino e nunca mais estar desempregada. Digam ainda que trabalho com rigor mas com um sorriso nos lábios, até mesmo quando choro por dentro, digam que não falto, já dei aulas com 40 graus de febre e já levei um dos meus filhos doentes para a escola, só para não prejudicar os meus alunos. Estou cansada. Farta. Ainda estamos em Junho e já estou a sofrer por antecipação.
Este ano lectivo fui colocada na Escola Secundária Gago Coutinho e foram-me atribuídas, para leccionar Língua Portuguesa, duas turmas de CEF (Curso de Educação e Formação), uma, de Práticas Administrativas e outra de Electricista de Instalações. Estes cursos destinam-se a alunos em situação de abandono escolar, ou aos que já tinham abandonado a Escola. Supostamente, têm programas mais acessíveis que lhes permitirá terminar a escolaridade obrigatória com sucesso. Concordo com a primeira parte da questão, é importante trazer novamente os alunos às Escolas e formá-los, mas é preciso adaptar os programas curriculares à realidade destes miúdos e aqui é que está o busílis.
Lá diz o ditado «Só quem está no convento é que sabe o que lá vai dentro», que é como quem diz, só quem está a trabalhar com estes alunos, no terreno, dia após dia é que sente as dificuldades com que se depara diariamente, e é que conhece as deficiências deste novo sistema de ensino.
Quando iniciei o meu trabalho reparei que iria leccionar a estas turmas um módulo sobre texto dramático, do qual fazia parte O Auto da Barca doInferno, de Gil Vicente e um módulo de textos épicos, onde leccionaria Os Lusíadas. Inocentemente e cheia de estupefacção dirigi-me ao Conselho Executivo e perguntei se havia algum engano com os programas, eu não queria acreditar no que os meus olhos liam e depois não quis acreditar no que os meus ouvidos ouviram, pois o que me disseram é que não havia engano nenhum.
Na primeira aula, cheia de coragem e determinação, lá fui eu explicar aqueles meninos em que consistiria o nosso trabalho e de que forma se iriam desenvolver as nossas aulas. Elogiei ainda o facto de terem escolhido o curso de electricidade, uma vez que é um curso com grandes saídas profissionais e que poderá ser monetariamente muito compensador. Comentário de uma cabecinha pensadora «- Ganho mais no tráfico de droga». «A diferença - respondi-lhe eu -é que a traficar drogas vais preso e tens uma vida miserável, e como electricista não». E desta forma estava dado o mote para um ano lectivo cheio de desafios.
Contra factos não há argumentos, tive que meter as mãos ao trabalho.
Como é que eu vou ensinar O Auto da Barca do Inferno a miúdos que até o nome escrevem com erros ortográficos? Indagava-me eu. (Sim, sim, não estou a inventar, nas primeiras aulas ensinei a um Saúl e a um Nélson que o nome deles tinha acento) O mais curioso é que desafiei-os a confirmar no B.I. e a estupefacção deles foi enorme porque nunca repararam que escreviam incorrectamente o próprio nome. Como é que estes miúdos, com idades compreendidas entre os 15 e os 20 anos, numa turma correspondente ao 9º ano, que falam e escrevem tão mal, têm condições para captar o sentido e descodificar um texto como os supra citados, escritos em português dos séculos XV-XVI?
Miúdos New Age, da linguagem «Telemovelística» e da Net, do «Bué, e do «Tá-se Bem» olhavam para mim como se eu tivesse acabado de aterrar, vinda de outro planeta quando lhes lia aqueles versos.
Apenas os ouvia sussurrar, atónitos, uns para os outros «-O que é que a Chavala disse?
E vá lá, vá lá, o que valeu, não só a mim, como ao pobre Gil Vicente, foi o facto de ter colocado no seu Auto a personagem Parvo, que no meio do seu discurso deixa escapar expressões como «puta da badana»,«furtaste a trincha cabrão», e como esta é uma linguagem que lhes é familiar, eles perceberam na perfeição, a ideia que o autor pretendia transmitir. Pelo menos nesta cena ía sendo assimilada.
Leccionar Os Lusíadas tem sido outra “Odisseia,” do género do clássico Homero, e tal como Hércules vejo-me em trabalhos forçados, na tentativa desesperada de ensinar alguma coisa aos meus projectos de electricistas.
Recentemente fiz um teste ao episódio “Concílio dos Deuses” e numa das questões indagava «Quem é Vénus? Qual a sua função na acção?», um dos cérebros iluminados (ou não fosse ele um futuro electricista) respondeu «Vénus era a deusa do sexo e a função dela era comer os Portugueses».
Imaginem o meu ar quando li aquele comentário. Primeiro reli a resposta pois comecei por duvidar da minha sanidade mental, e depois soltei uma gargalhada porque afinal, o meu formando até ficou com umas ”luzes” relativamente ao que lhe ensinei. Vénus é a deusa do amor, podemos, em última análise, considerar que o sexo também é uma forma de amar, e quanto ao «comer os portugueses» o meu aluno conseguiu criar uma metáfora, exactamente a mesma de Padre António Vieira no seu Sermão de Santo António aos Peixes.
Seria cómico, se não fosse trágico.
Aviso à navegação: estes programas curriculares estão completamente desajustados à realidade dos nossos alunos, deixem os gabinetes, arrumem as gravatas, vejam às escolas de ténis e calças de ganga assistir ao nosso trabalho. Convido-vos a assistir às minhas aulas, a constatar a forma como diversifico as estratégias de aprendizagem na tentativa desesperada de lhes ensinar alguma coisa. Oiçam as vozes dos meus alunos perguntar”-O que é que isso me interessa?”, “Para que é que isso me serve?
Lamentavelmente sou obrigada a concordar com eles, estes programas estão completamente desfasados no tempo, no espaço e da realidade social destes miúdos. Não seria mais útil ensinar-lhes, dentro dos conteúdos da Língua portuguesa a redigir um Curricullum Vitae, uma carta formal, preencher um Requerimento, ensinar-lhes como se devem preparar para uma Entrevista de Emprego, ensinar-lhes a forma correcta de preencher um Formulário e muitos outros conteúdos que se inserem na minha disciplina e que de certeza, lhes poderia ser muito mais útil.
Agora, com o início do terceiro período aguardam-nos novas aventuras…
Chamo-me S. B. tenho 33 anos, dois filhos, formei-me em Línguas e Literaturas Modernas - variante de Estudos Portugueses, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e sou Professora de Português desde 1997.
Este foi o meu sonho de menina. Recordo… nunca quis ser outra coisa, nunca me imaginei a fazer mais nada.
Durante o estágio percebi, com muita alegria, que estava no caminho certo para a concretização dos meus sonhos. Ainda me lembro, com uma nitidez impressionante, a primeira escola, em Pombal, a primeira aula, a primeira turma. Ainda sei de cor o nome dos 25 alunos com que fui presenteada e se fechar os olhos ainda os vejo sentados por ordem alfabética, curiosos face ao que eu era e ao que lhes vinha ensinar.
Passou o primeiro ano, o segundo… o décimo, e continuo a achar que é na escola que me sinto em casa, que aquele é o meu mundo e que eu pertenço ali. Em nada a minha motivação foi beliscada.
Não me chateiam nada as suas medidas para aquilo que diz ser «a qualidade do ensino», não me preocupa o estatuto da carreira docente; as aulas de substituição; o alargamento da carga horária e da idade da reforma, não me chateio com a TLEBS… Nada! Não quero saber disso para nada!
Sabe o que me angustia? Sabe o motivo pelo qual escrevo esta carta? Eu sei que ela nunca chegará às suas mãos, que a senhora Ministra jamais saberá das minhas tristezas, mas enquanto escrevo e a edito no meu blog exorcizo as minhas penas.
Como lhe disse anteriormente dou aulas há dez anos. Dez anos em escolas diferentes, com alunos diferentes, colegas diferentes, localidades diferentes também. Dez anos de maus horários, de maus vencimentos e quase sempre…longe de casa.
Sou, e serei nos anos que se avizinham, contratada. Sou a tal “carta fora do baralho”, a suplente, que apenas serve para tapar buracos. Felizmente, o sistema tem precisado sempre de mim, mas até quando?
Todos os anos passo pela angústia de estar desempregada a partir de 31 de Agosto, seguem-se semanas de agonia a aguardar nova colocação, segue-se a mendigagem do subsídio de desemprego. Segue-se a colocação numa escola estranha, com alunos estranhos, professores estranhos, salas estranhas onde no primeiro mês me sinto uma verdadeira extraterrestre acabadinha de aterrar, vinda de um planeta distante.
Passado o primeiro impacto, lá estou eu, como um peixe na água a desempenhar o melhor que posso e sei as minhas funções.
E, sabe uma coisa? Desempenho-as muito bem!
Sim, sim, leu bem, eu escrevi que desempenho muito bem as minhas funções. Quer provas???
Convido-a a contactar as centenas de alunos a quem já tive o prazer de ensinar, vá ao terreno, oiça as opiniões daqueles que realmente importam. O processo ensino – aprendizagem é centrado nos alunos e é com eles que me preocupo. No entanto, pode também ouvir os meus colegas, os conselhos executivos, os funcionários, os pais, nada tenho a recear.
Ouvi dizer que o seu Ministério vai atribuir um prémio de 25000 euros aos melhores professores. Não almejo esse valor, eu sou premiada diariamente pelos meus alunos, os seus sorrisos, as suas palavras de apreço premeiam-me e esse presente tem para mim um valor incomensurável.
Recuando, estava eu a dizer-lhe que me tenho na conta de uma profissional competente, não lecciono duas aulas iguais, porque tenho sempre em consideração o universo de crianças e jovens à minha frente, preparo com rigor cada aula que dou, mas também dou espaço para que as aulas «aconteçam» como dizia o nosso querido Sebastião da Gama.
Não ensino apenas Língua portuguesa e Português, preocupo-me também em formar alunos em cidadania, em valores pessoais e morais. Discuto com eles problemas de ordem social, pessoal, sexual. As minhas aulas têm sempre uma janela aberta para ouvir e discutir as realidades que os preocupam.
Gosto ainda de os conhecer para além dos limites dos programas, no início do ano lectivo peço-lhes sempre para redigirem alguns textos de ordem pessoal que me deixem percepcionar a pessoa, para além do aluno. E é aí que me apercebo dos seus problemas familiares, dos seus medos e frustrações.
Quando os seus rostos, ou o seu comportamento deixa transparecer que algo não está bem, tento sempre, no final da aula, disponibilizar o meu tempo, a minha amizade.
Isto é o que eu sou. Isto é o que faço.
Não lhe escrevo esta carta para lhe dizer que sou melhor profissional do que os meus colegas. Não, felizmente existem excelentes profissionais por esse país fora que desempenharão tão bem ou melhor do que eu as suas funções.
Escrevo-lhe para lhe dizer que sinto na pele, a cada ano que passa, que estou na border line. Em cima da minha cabeça está sempre o espectro fatal do desemprego. A Sra. Ministra não faz ideia da quantidade de coisas que estão em stand by na minha vida, à espera de estabilidade profissional.
Como milhares de outros professores sacrifico constantemente a minha família. Tenho dois filhos pequenos a quem dou menos apoio do que devia porque este ano faço diariamente 2h 30ms para ir dar aulas na Escola Gago Coutinho em Alverca, com um horário de 13 míseras, com um vencimento deficiente que pouco mais paga que o passe à CP.
O que a Sra. não sabe é que o meu filho mais velho tem apenas 6 anos, entrou este ano para o primeiro ciclo e que eu nunca o apoio durante a semana, na realização dos seus trabalhos de casa, porque tenho também horário nocturno. Durante a noite ele acorda e chama por mim, está sempre à espera que eu chegue para lhe aconchegar os lençóis e lhe dar o último beijo antes que o Anjo dos sonhos o leve para brincar. O meu outro filho acabou de fazer três anos, de manhã deixo-o no infantário por volta das 9h 30ms e só o volto a ver a dormir. Por eles nunca concorri a nível nacional, não tive coragem para os «abandonar» durante a semana, tornando-os assim órfãos de mãe viva, ou então levá-los comigo para um lugar estranho e obrigá-los a viver sem a presença do pai.
O que a Sra. Ministra não sabe é que no final de cada ano lectivo algumas das minhas alunas choram e me pedem para não ir embora (como se essa decisão dependesse de mim…). Fico sempre com um nó na garganta, com pena de não dar continuidade aos projectos iniciados.
Acredito em algumas das suas medidas para melhorar a qualidade do ensino, acredito também que este sistema educativo estava viciado, e só alterações muito profundas poderão dar frutos.
Mas tenho medo… medo de um dia ser “descartada” e ser obrigada a fugir daquele que escolhi para meu caminho; medo que a autonomia das escolas passe a funcionar por compadrio, e que os Conselhos executivos só coloquem as pessoas que lhes interessem; medo de um dia me deixar vencer pelo cansaço e me transformar numa professora medíocre como tantas outras; medo de não concretizar tantos sonhos à espera do meu lugar nos quadros de uma escola.
Termino aqui este meu desabafo… quem sabe um dia a Sra. ministra não descobre “por acaso” o meu blog, e como as coincidências, não existem, talvez me ajude a resolver esta situação, basta apenas um toque mágico com a sua «varinha de condão».
Os professores sentem na pele, a cada dia que passa, a insatisfação de uma profissão que parece ter sido escolhida como «bode expiatório» das desgraças da economia nacional. Deixo as palavras de um psicoterapeuta famoso para reflexão.
Será que a Ministra da Educação já leu este livro? OFEREÇAM_LHO!!!!
«Computadores! Computadores! Fim dos professores» Os professores nunca tinham sido tão humilhados. Golpeados por estas palavras, resolveram abandonar a torre.
Sabem o que aconteceu? A torre desabou. Ninguém imaginava, mas eram os professores e os pais que seguravam torre. Tentaram substituí-los por computadores, dando uma máquina a cada aluno. Usaram as melhores técnicas de multimédia.
Sabem o que aconteceu? A sociedade desabou. As injustiças e as miséria da alma aumentaram ainda mais. A dor e as lágrimas expandiram-se. A prisão da depressão, do medo da ansiedade atingiu grande parte da população. A violência e os crimes multiplicaram-se. A convivência humana, que já era difícil, tornou-se intolerável. A espécie humana gemeu de dor. Corria o risco de não sobreviver...
Estarrecidos compreenderam que os computadores não conseguiam ensinar a sabedoria, a solidariedade e o amor pela vida. O público nunca pensara que os professores fossem os alicerces das profissões e o sustentáculo do que é mais lúcido e inteligente em nós. Descobri-se que o pouco de luz que entrava na sociedade vinha do coração dos professores e dos pais que arduamente educavam os seus filhos.
Pais Brilhantes, Professores Fascinantes, Augusto Cury