Resquícios teus (em dias felizes)
Entraste na minha vida com doçura, conquistando o meu coração em forma de fortaleza, foste ficando em mim devagarinho e, por alguma razão que desconheço, deixaste resquícios teus por todo o lado.
Começa logo pela manhã, não adianta trocar os lençóis, há sempre um fio louro e encaracolado que poisa na tua almofada. Fecho os olhos e deslizo os meus dedos na esperança de imaginariamente te tocar e a tua imagem acentua-se naquele instante, mais um bocadinho.
Levanto-me decidido a não me deixar sucumbir a estas saudades, e vou tomar um duche, mas também agora a tua imagem volta a perseguir-me. Consigo vislumbrar os corações que desenhavas com batom vermelho no espelho da casa de banho e no ar, ainda sinto o teu perfume, impregnado nas paredes. Dou mais um passo, vou para o duche e enrolo-me à toalha que, por mais que a lave, cheira sempre a ti. As gotas do teu corpo que a toalha embebe ficam gravadas neste turco macio em que agora me enxugo.
E a saga continua, vou para o closet escolher uma camisa, e de repente, cai de um dos teus esconderijos secretos, um Post It, onde leio "Have i told you lately that i love you". E perco-me na voz do Van Morrison e neste tema de que tanto gostas. E fecho os olhos, vejo-te sorridente à minha frente a cantar este tema. Meu Deus, como tu desafinas minha menina, mas não vejo a hora de te ver chegar para te ouvir cantar novamente. Pergunto-me porque é que nunca dançamos esta ou outro música , sempre adoraste dançar, mas não me lembro de te ter embalado os passos, ao ritmo de canções de amor.
Ia jurar que da cozinha me chega entretanto o aroma das torradas e dos teus ovos mexidos. Nunca tive coragem de te dizer, mas sabes que os teus ovos são os piores do mundo? Com a tua mania das dietas (nunca precisaste de as fazer) cortas na manteiga, na cebola de uma forma criminosa.
Preparo-me para ir trabalhar, enquanto arrumo uns papéis descubro um Ferrero Rocher acompanhado de um bilhete "na falta de um beijo doce, deixo/te aqui um bombom". São estas pequenas coisas que alimentam o nosso amor, o tempo passa e sinto que a nossa estória veio para ficar, são imagens envolventes que acompanham a azafama dos meus dias, tais como o teu nariz pequeno, a forma como prendes o cabelo atrás da orelha, a forma como as tuas mãos minúsculas se perdem dentro das minhas, a maneira como metes os teus pés gelados nas minhas pernas só para os aqueceres.
Há resquícios teus em todo o lado, nos dias frios e chuvosos que eu adoro, mas que sei que tu detestas... resquícios até das tuas sardas quando olho para os pingos de chuva no vidro do carro e que me lembram esse teu rosto tão lindo. Resquícios... nos livros antigos que folheio e que me cheiram a ti, que têm as manchas das tuas lágrimas nas páginas finais, porque te doi acabar uma história e perder os heróis do romance. Há resquícios das tuas pernas compridas sentadas ao meu lado no carro, resquícios do teu batom de morango que eu adorava roubar em forma de beijos.
Há resquícios teus quando abro a caixa do correio e lá dentro encontro um postal teu inesperado "É nas pequenas coisas que demonstramos o que sentimos pelos outros. É nas pequenas coisas que as pessoas nos fazem sentir que somos amadas por elas. Desejo-te uma vida cheia de pequenas coisas". Dizia o último dos teus postais, um dos teus muitos resquícios.
Não sei quem uniu os nossos caminhos, confesso que gostava de saber a quem agradecer ter-te colocado no meu caminho. A Deus, ao Destino? À vida? A mim, que lutei contra as tuas frases evasivas e te envolvi com a minha persistência?
Mas o meu amor por ti não é um resquício, é inteiro, é pleno, é teu.