Sozinha
por aspalavrasnuncatedirei, em 09.03.08
Imagem Retirada da Internet
O relógio na parede do quarto insiste em tiquetaquear, num compasso binário, badaladas tristes ao meu ouvido: só…zinha… só…zinha… só…zinha. Na janela batem pingos de lágrimas que as nuvens deixam cair em sintonia com os pingos de chuva dos meus olhos. A lua reflecte em sombras minguantes aquilo que foram dois corpos que se amaram e as estrelas cintilam sorrisos em ecos perdidos aos meus ouvidos. Entra o vento, sem permissão, pela porta que deixo entreaberta à espera do teu regresso e varre, sem a minha autorização, a tua presença (espectro teimoso) que ainda vagueia por aqui. Olho para o livro da minha vida e penso que será mais fácil viver e ser feliz se arrancar, uma a uma, as páginas do que vivi contigo. Então, com mãos decididas, arranco o dia em que te conheci, pico com pionés todos os beijos que te dei, corto com a tesoura as palavras que dissemos, utilizo o x-acto para afastar o teu corpo do meu. Apago, com borracha áspera, os sonhos por realizar e com um compasso desenho dois círculos afastados para cada um de nós. Como se tudo isto não bastasse meto-te debaixo do pisa-papéis para que de lá não saias, para que a tua recordação de lá não volte. E se ainda não for suficiente e se mesmo assim insistires muito, meto-te num triturador de papéis para ter a certeza que vais desaparecer de vez. Com a vida em pedaços, olho para os destroços que se espalharam pela cama… e as lágrimas percorrem salgadas a minha pele que dizias ser doce. Não quero que seja assim… dói ainda mais. Lentamente decido-me a fazer bricolage com a vida, e com Super-Cola 3, colo cada bocadinho de ti… cada bocadinho de mim… cada bocadinho de nós… apago com fita-cola o que disse e não devia ter dito, e com corrector desfaço o que fiz e não devia ter feito. Com agulha e dedal volto a unir os nossos pedaços e com uma aguarela cor-de-rosa preparo-me para redesenhar um novo destino.