Mais e Mais Sofrimento
por aspalavrasnuncatedirei, em 05.07.07
Imagem Retirada da Internet
“Deve ser horrível ser-se deixada por ti!” Albert nunca mais esqueceu quando é que Marta tinha dito essa frase. Estavam deitados na cama nus, era fim de tarde e tinham acabado de fazer amor. Um silêncio instalara-se entre eles e velava sobre os seus corpos transpirados, mas era tudo menos um silêncio de estranhos. Pelo contrário: era tão familiar, tão íntimo, tão intenso, que chegava a doer de puro prazer. Era mais íntimo do que a própria nudez, mais devassante do que tudo o resto que faziam na cama. E, então, Marta dissera aquela frase, sem mais nem menos, assim de repente. Ele ficou calado, ela voltou a calar-se, nada mais disse e ficou outra vez em silêncio. Ele lembrava-se de ter chegado a pensar “Posso dizer o mesmo”, mas nada disse. Para quê? Sabia que Marta tinha razão, sabia que era por causa do que aquela frase encerrava que um dia Marta o deixaria – ela, antes dele. Essa frase, essa terrível defesa, ele passeara-a depois, ao longo dos anos, ao longo das dezenas de outros corpos, de sentimentos que afinal não passam de sensações e onde tudo é desesperadamente contraditório: porque não te amo, tenho este corpo para te oferecer, porque te amo, fujo e desapareço. E, porque desapareço, não te esqueço, porque essa é a minha forma de te amar – tudo o resto é ainda mais e mais sofrimento.
Não Te Deixarei Morrer, David Crockett, Miguel Sousa Tavares