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aspalavrasnuncatedirei

Há palavras que nunca chegam ao destino...fazem uma longa e amarga travessia pela solidão dos sentidos e morrem na escrita destas crónicas.

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Há palavras que nunca chegam ao destino...fazem uma longa e amarga travessia pela solidão dos sentidos e morrem na escrita destas crónicas.

Se...

por aspalavrasnuncatedirei, em 27.02.14

 

Há anos que o amava em silêncio sem nunca ter tido coragem para lho dizer. Todos os dias falávamos sobre as coisas mais banais, trivialidades de quem nada diz e tem muito para dizer, todos os dias me fazia sorrir, todos os dias partilhávamos confidências, receios, todos os dias lia, onde não existia, uma frase romântica que me fazia sonhar. Nunca foram precisas palavras para lhe dizer o que me torturava o peito mas sei que ele o sabia. Um amor puro, ingénuo e desinteressado só se tem uma vez na vida e que a amizade e a amizade é uma linha ténue que nos separa de um grande amor. Um dia veio a notícia que mudaria de cidade, que partiria para outra vida, que iria ter novos amigos… e amigas… Um coração ingénuo não aguenta ouvir estas palavras sem sangrar por dentro. O último dia antes de partir, fizemos uma festa de despedida, com bebidas proíbidas, mousses instantâneas, batatas fritas e música alta. O som abafava a minha voz, a minha dor, os meus pedidos surdos para não partires. Ouvi o toque da campainha que anunciava o fim das aulas. Corri para o espelho da casa de banho e endireitei os ganchos do cabelo, alisei a prega do vestido e coloquei nos lábios o batom de cereja que na véspera roubara da mochila da minha irmã. Do outro lado da escola fui encontrá-lo, calças de ganga sujas de mais uma partida de futebol, joelhos esfolados indiciando a alegria de um último golo. Só sei que eu tremia como se tivesse com frio, apesar das cigarras já terem anunciado a proximidade do Verão. As pessoas passavam por mim e resmungavam pelo facto de estar a empecilhar o caminho. Não me consegui mexer, não consegui falar. O meu cérebro gritava às minhas pernas «-Corre, vai ter com ele», ordenava aos meus braços «-Abraça-o pela última vez», e ditava à minha boca «-Dá-lhe um beijo de despedida». Tentei chamá-lo mas a voz não me obedecia. O som de uma buzina, que tão bem conheço, faz-me estremecer… a mãe dele acabou de chegar para o levar, e desta vez, para uma longa viagem, para longe de mim, para longe das nossas brincadeiras. Também ele ouviu a buzina e veio na minha direção com uma expressão envergonhada. Quando passou perto de mim colocou na minha mão um bilhete arrancado de uma meia página de caderno de espiral da disciplina de matemática onde se lia «-Quando voltar quero ser teu namorado». Vi-o desaparecer dentro do carro, o carro a desaparecer na multidão, a multidão a desaparecer no caminho e o caminho da felicidade a desaparecer da minha vida. Vi a minha coragem desaparecer e o meu coração a cair ao chão, estilhaçando-se para o resto da minha existência. Hoje, tantos anos depois, sei que aquele episódio deixou na minha boca o sabor amargo de não ter lutado pelo que queria, a falta de coragem ficou marcada em mim como uma tatuagem na pele. «-O que é que teria acontecido se….» os «ses» da vida são as palavras mais difíceis de combater.

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