O relógio na parede do quarto insiste em tiquetaquear, num compasso binário, badaladas tristes ao meu ouvido: só…zinha… só…zinha… só…zinha. Na janela batem pingos de lágrimas que as nuvens deixam cair em sintonia com os pingos de chuva dos meus olhos. A lua reflecte em sombras minguantes aquilo que foram dois corpos que se amaram e as estrelas cintilam sorrisos em ecos perdidos aos meus ouvidos. Entra o vento, sem permissão, pela porta que deixo entreaberta à espera do teu regresso e varre, sem a minha autorização, a tua presença (espectro teimoso) que ainda vagueia por aqui. Olho para o livro da minha vida e penso que será mais fácil viver e ser feliz se arrancar, uma a uma, as páginas do que vivi contigo. Então, com mãos decididas, arranco o dia em que te conheci, pico com pionés todos os beijos que te dei, corto com a tesoura as palavras que dissemos, utilizo o x-acto para afastar o teu corpo do meu. Apago, com borracha áspera, os sonhos por realizar e com um compasso desenho dois círculos afastados para cada um de nós. Como se tudo isto não bastasse meto-te debaixo do pisa-papéis para que de lá não saias, para que a tua recordação de lá não volte. E se ainda não for suficiente e se mesmo assim insistires muito, meto-te num triturador de papéis para ter a certeza que vais desaparecer de vez. Com a vida em pedaços, olho para os destroços que se espalharam pela cama… e as lágrimas percorrem salgadas a minha pele que dizias ser doce. Não quero que seja assim… dói ainda mais. Lentamente decido-me a fazer bricolage com a vida, e com Super-Cola 3, colo cada bocadinho de ti… cada bocadinho de mim… cada bocadinho de nós… apago com fita-cola o que disse e não devia ter dito, e com corrector desfaço o que fiz e não devia ter feito. Com agulha e dedal volto a unir os nossos pedaços e com uma aguarela cor-de-rosa preparo-me para redesenhar um novo destino.
Não sei de onde vens, para onde vais, ou porque estás aqui... Não sei se és real ou imaginário, se és o meu pior sonho ou o melhor pesadelo, mas sei que existes… Fecho os olhos para te ver… e surges tu: tão próximo, tão meu, tão único. Abro os olhos para te olhar e tu não estás… dissolves-te no nevoeiro das minhas incertezas, do meu medo, de todas as minhas fantasias. Quem és tu? O que fazes aqui? Porquê eu? Porquê comigo? Porque te sinto tão longe e tão perto? Porque me mostraste as nuvens quando eu estava tão adormecida no casulo? Qual a razão que te levou a lembrar-me que tenho pele e não roupa, que tenho corpo e não forma, que tenho desejos e sentidos? Faz-me entender porque tinha asas e nunca voei, porque tinha voz e nunca cantei, porque tinha vida e morri. Diz-me o motivo pelo qual te perdes e encontras no vento do meu cabelo, no brilho dos meus olhos, no tilintar do meu sorriso, no toque dos meus dedos… em mim?