No ar dançava o inebriante aroma do incenso e no chão havia um trilho romântico de velas acesas, perfumadas. Uma a uma, deixei que me guiassem sabendo que me conduziriam até ti… encontrei-te… naquele esconderijo onde a luz era mais intensa. O quarto estava cheio de ti, a tua sombra era desenhada nas paredes pela chama das velas acesas, o teu perfume sobrepunha-se a todos os outros aromas. Aproximaste-te devagar e colocaste nos meus lábios um beijo leve e doce… tão doce, tão quente. Deixaste que o meu corpo se despojasse de roupa e de timidez e deitaste-me nua sobre as almofadas do chão. No leitor de CD tocavam acordes de Bach, nos copos escorriam as gotículas do vinho tinto, nos vidros gemiam os assobios do vento e o meu corpo tremia e desejava-te como se fosse a primeira vez. O amor fez-se… o amor faz-se… de pequenos gestos, de pequenos nadas, de insignificâncias. De velas e aromas, de palavras sussurradas ao ouvido, de arrepios na pele, de respiração a arfar, de corações a bater descompassados. A chama do amor não precisa ser uma chama avassaladora, que nos faz arder na sua combustão, mas tem que ser espevitada, tem que iluminar o corpo e a alma… para nunca se deixar morrer.
Às vezes é preciso aprender a perder, a ouvir e não responder, a falar sem nada dizer, a esconder o que mais queremos mostrar, dar sem receber, sem cobrar, sem reclamar. Às vezes, é preciso partir antes do tempo, dizer aquilo que mais se teme dizer, arrumar a casa e a cabeça, limpar a alma. Às vezes, mais vale desistir do que insistir, esquecer do que querer. No ar ficará para sempre a dúvida se fizemos bem, mas pelo menos temos a paz de ter feito aquilo que devia ser feito, somos outra vez donos da nossa vida. Às vezes, é preciso abrir a janela e jogar tudo borda fora, queimar cartas e fotografias, esquecer a voz e o cheiro, as mãos e a cor da pele, apagar a memória sem medo de a perder para sempre, esquecer tudo, cada momento, cada minuto, cada passo e cada palavra, cada promessa e cada desilusão, atirar com tudo para dentro de uma gaveta e deitar fora a chave. Porque quem parte é quem sabe para onde vai, quem escolhe o seu caminho, mesmo que não haja caminho, porque o caminho se faz a andar. O sol, o vento o céu e o cheiro do mar são os nossos guias, a única companhia, a certeza que fizemos bem e que não podia ser de outra maneira. Quem fica, fica a ver, a pensar, a meditar, a lembrar. Até se conformar e um dia então, esquecer.
À noite, a solidão torna-se ainda mais pesada, tornam-se ainda mais dolorosas as recordações e as saudades. Perco-me em ti, nas lembranças de nós, daquilo que vivemos (e poderíamos ter vivido?) Sei que ainda me amas, por tudo o que te fiz sentir, por tudo o que te fiz sonhar, pela comunhão dos nossos corpos e segredos. Deixa-me olhar-te… uma vez mais… para fotografar-te na minha essência e nunca deixar apagar esse teu sorriso. Deixa-me questionar-te: sentes a minha falta? Deixa-me perguntar-te ainda, se me amas nestas noites, quentes, enluaradas, e se desse lado, a solidão também toma conta da tua vida. Deixa-me perguntar-te ainda, se acreditas que um dia destes vais abrir os olhos com a certeza de acordar ao meu lado. Sempre que te vejo, todo o meu ser estremece, acordam todas aquelas imagens que tento a todo o custo adormecer (E tu? Também me tens nos teu sonhos?) Sempre que o meu rosto toca no teu a minha pele arrepia-se porque só o teu toque, o teu aroma provoca em mim todas estas emoções (e a tua pele será que ainda se recorda da minha?) Sempre que te olho, nos olhos, esqueço-me da luz do Sol (o que é um raio de sol perto da luz que emanas?). Sempre que te beijo perco-me na magia das estrelas mas nenhuma estrela consegue brilhar em mim com a intensidade com que tu brilhas.
Pergunto-me se alguma vez saí de lá... Do fascínio de caminhar lado a lado, a minha mão na tua ausência, os teus dedos no meu desejo. A partilha enclausurada da ternura, a inconcebível inexistência do tempo, a prova da eternidade no baldio dos pensamentos, fragmentos do nosso querer... A forma patética, inconsistente, das escapadelas, sob a enorme lua diluída, as horas loucas, mergulhadas na abstracção desta caminhada, em direcção a nada... Só o vento sabe de que cor pintámos o Amor! Lado a lado, gestos que se cruzam na densidade de bifurcação da alma...