Após uma análise introspectiva, exaustiva, da minha pessoa, cheguei à brilhante conclusão que me falta um órgão vital ao meu bom funcionamento e que a Natureza se esqueceu de me providenciar. Um GPS. Tudo na minha vida seria mais fácil se este sistema de navegação tivesse sido incorporado nas profundezas do meu ser. Então vejamos: de manhã não perderia tempo a escolher aquilo que me fica menos-mal, escolheria certeira, sem os habituais «este não, porque é curto», «este não, porque é comprido», «este não, porque me faz gorda, «estas não, porque estão muito largas», «esta não, porque é muito decotada», «esta não porque… sei lá porquê». E também não ficaria com aquela cara injusta de «não tenho nada para vestir» mesmo sabendo que não cabe nem mais um par de ligas no roupeiro. Seguidamente, o meu GPS poupar-me-ia algumas arrelias, pela manhã, porque encarregar-se-ia de seleccionar, com precisão, os cereais que os pantufinhas querem comer. Quando arranjo Cérelac querem Nestum, quando arranjo Nestum, querem Estrelitas… e por aí a fora, e o mesmo aconteceria relativamente à roupa. Ao sair de casa, o meu GPS, encontraria facilmente um lugar para estacionar, sem ser preciso deixar o carro a quilómetros de distância. Ao chegar ao comboio, far-me-ia sentar, apenas ao lado de pessoas que soubessem fazer uma viagem em silêncio. Afastaria de mim aqueles parolos, armados em Dom Juan que se metem comigo, com conversas da treta e que começam por perguntar «A menina desculpe, quanto tempo falta para chegar a Oriente?», ou então, «Tem horas que me diga?». E eu, respondo, educadamente, com ar de give me a break, sem lhes dar conversa, mas mesmo assim, eles não percebem. Nas aulas accionaria o meu GPS para utilizar sempre as palavras certas, o diálogo adequado para ensinar aos meus alunos que o futuro se constrói hoje, que as coisas boas da vida não são apanhar bebedeiras descomunais, fumar ganzas, e que fazer sexo não é o mesmo que fazer amor. No final do dia, voltava a accionar o GPS, desta vez para me guiar até ti. Para me ensinar o caminho para o teu coração, para nele me instalar e nunca mais de lá sair. O GPS ensinar-me-ia a dizer as palavras certas, como te tocar, como te demonstrar aquilo que sinto, como te fazer feliz e quando sentisse que te perdias no meu amor por ti, ouviria a voz do GPS dizer“You have arrived”.
Cheguei a casa quase à uma da manhã, gelada e cansada. Tinha saído pouco depois das oito para ir para o comboio. Estive treze horas enfiada na Escola (e ainda dizem que os professores têm uma rica vida). Quando saí os pantufinhas estavam a dormir, e agora… a dormir estão. Hoje apenas me ouviram ao telefone. Sou uma mãe virtual. Adoro vê-los dormir: bochechas encarnadinhas e cheirar a Mustela, cabelo perfumado pelo champô, ar sereno, doce (ilusório, porque são duas grandes pestes) e muito, muito quentinhos. Enfio-me na cama deles, tento absorver-lhes a tranquilidade do sono, a paz de espírito de quem tem como única preocupação brincar, e que acredita que neste mundo existem apenas a mãe e o pai, os avós, os colegas de infantário, e que as coisas boas da vida são jogar futebol, comer um gelado, lambuzarem-se com uma pizza e ir ao Mac Donald’s … Não posso deixar de pensar que temos tanto para aprender com as crianças. Quando a “vida lhes corre mal” (que é como quem diz, quando os seus caprichos não são satisfeitos) deixam cair uma lágrima de crocodilo e a seguir já não é nada com eles. E nós? Teremos esta capacidade para esquecer quem nos faz mal, quem nos magoa? Não, não temos! As crianças exploram e usufruem cada dia como se fosse único, não pensam no passado nem no futuro e vivem, apenas, o momento presente. Nós, deixamo-nos enlear nas teias do tempo e ficamos prisioneiros. A meu ver, a maior qualidade de uma criança é a sua autenticidade. Não são dissimulados, quando gostam, gostam; quando não gostam não se deixam arrebatar por um chupa-chupa ou um ovo Kinder. Tenho tantas saudades dos meus pantufinhas… saudades dos momentos em que os ia buscar ao infantário, íamos dar pão aos patos, jogávamos à bola no jardim. Depois íamos para casa, preparava-lhes o jantar, dava-lhes banho e contava-lhes uma história antes de adormecerem. Não posso deixar de trabalhar para ficar em casa com eles, e sinceramente, também não quero, apesar de ser «mais mãe do que mulher», o trabalho realiza-me, preenche-me e preciso dele para ser livre e independente. No entanto, sei que o tempo não volta atrás e que eles nunca mais na vida voltam a ter 3 e 6 anos e que eu estou a perder muitas coisas boas. E sei também que só agora é que eles olham para mim como a «mãe mais linda do mundo» e me dizem que sou a «namorada» deles.