Baú
Hoje abri aquele Baú antigo, de madeira velha, carunchosa, onde guardo as minhas memórias. Lá dentro estão pequenos retalhos da minha vida, momentos que não deixo o tempo apagar e imortalizo através de pequenos objectos.
Tenho as cartas de amor da escola primária, cheias de corações foleiros e erros ortográficos; o bilhete de cinema, daquela noite de Verão onde provei o primeiro beijo; o primeiro urso de peluche, piroso, onde se vislumbram ainda os resquícios daquilo que foi um ‘I Love You’ oferecido por um admirador de nome esquecido.
Tenho ainda guardado, muitos outros segredos, por isso, há muito tempo que não abria o Baú, porque… tinha medo.
Medo daquilo que eu sabia que iria desenterrar. Abri-lo era encontrar-te. Reler as tuas cartas era voltar a ouvir o som da tua voz que falava do teu amor por mim, dos teus planos para o futuro, para o nosso futuro, e por um momento, ver as tuas fotografias era voltar a perder-me no teu sorriso sedutor. O vulcão que nos últimos anos tentei adormecer, entrou novamente em erupção.
Encontrei lá dentro vestígios da nossa vida em comum: o bilhete do primeiro concerto a que assistimos, uma concha que me ofereceste quando me levaste a primeira vez à praia; o frasco vazio do perfume que me ofereceste, o prospecto daquela viagem que fizémos que publicitava a região, fazendo referência às suas tonalidades «cromânticas»; a rosa de plástico, hoje já cheia de bolor, que um Indiano te convenceu a comprar naquela noite do meu aniversário. Sabes…tenho até guardado o pacote de açúcar da primeira vez que me convidaste para tomar café, junto ao lago, povoado por crianças ranhosas de sorrisos felizes.
Ardi de desespero e de saudade, coloquei rapidamente o cadeado no Baú e regressei à minha realidade, disfarçando a minha agonia. Tudo o que queria era reduzir o meu tamanho, como a Alice no País das Maravilhas, queria encolher para morar dentro daquela caixinha, porque só ali, nas tuas recordações, é que o meu coração voltou a bater.