As mesmas caras sem luminosidade, os mesmos corpos disformes, as mesmas roupas caríssimas, o mesmo cheiro insuportável. Vêm a lugares como este à procura de algo que apimente e justifique a sua patética existência. Procuram sentir-se donos de algo, ou de alguém, já que as rédeas do destino e da vida, escapam-lhes por entre os dedos. Pagam por algo que deveriam receber gratuitamente e por amor. Quando aqui chegam, apenas danço, finjo que os seduzo, dou-lhes prazer como se fosse a única coisa que importa. Claro… pagam para isso! Não pergunto como se chamam, quem são, não os olho nos olhos, não os beijo na boca. Não penso neles como pessoas, não penso neles como seres humanos, acho que não penso neles absolutamente. Concentro-me no dinheiro. Fixo os olhos no candeeiro do tecto. E danço maquinalmente a dança do sexo. Apenas o fim do espectáculo me interessa e como Bailarina de Luxo danço ao ritmo que me é imposto. Pedem-me uma música, não importa de quem ou de que estilo, limito-me a movimentar nesta dança de troca de favores: Tu dás-me dinheiro eu dou-te a decadente ilusão do prazer. Mas um dia… vou ganhar um milhão de dólares, viver perto do mar, ter uma família. Nessa altura dançarei apenas músicas de amor e os movimentos serão ditados pelo afecto. Até lá não passo de uma Private Dancer.
Texto Inspirado no Tema de Tina Turner – “Private Dancer”
Recentemente assisti, no Auditório dos Oceanos, no Casino de Lisboa, ao espectáculo Crazy Horse de Paris. Durante 90 minutos 12 belíssimas mulheres “transpiraram” beleza, elegância, sensualidade e erotismo. Há um grande rigor na selecção destas bailarinas, uma vez que, naquela companhia não há lugar para silicone, plásticas ou qualquer outro tipo de retoques artificiais. Todas elas são apanágio de beleza natural. No final do espectáculo foi divertido reparar no ar comum dos Homens (tipo cão de Pavlov) e as Mulheres verdes de inveja (eu inclusive). A não perder!
Entrei no quarto, no nosso quarto, e vi que estavas a fazer a mala. Vi as lágrimas frias correrem de par em par no teu rosto. Fiquei gelado. Disseste que ias embora… que estavas cansada…, e o pior de tudo, que não eras feliz. Senti todo o meu mundo ruir como um castelo de cartas. De repente, sem mais nem porquê, abriu-se o chão debaixo dos meus pés, e eu (como nos buracos negros dos pesadelos que nos atacam de noite) caía…caía… e nunca mais chegava ao fundo. Colocaste dentro da mala, anos e anos do meu amor por ti. De lágrimas e de sorrisos. Colocaste lá dentro os sonhos realizados e por realizar. As conquistas e as derrotas de uma vida a dois. Puseste num cantinho, bem arrumado, todas as nossas férias, as nossas viagens, todos os destinos. Numa outra ponta, cautelosamente, guardaste o nascimento e o riso de duas crianças que encheram a nossa vida de cor. Lá estavam todos os beijos de “Bom Dia”, todos os afagos de “Boa Noite”. Todos os Natais e datas festivas. Todas as fotografias. Guardaste ainda os dias de chuva a preguiçar no sofá; as tardes de esplanada a comer caracóis picantes e a beber imperiais geladas; os filmes ao serão, aquecidos pelo lume da lareira a crepitar; os passeios à beira-mar. Mas… sabes…sabes o que mais me doeu? O que mais me magoou? Foi ver-te fechar a mala, protegê-la com um cadeado e… guardá-la no sótão. Não levaste contigo a mala que continha as recordações nossa vida…