Atrasado Emocional
Imagem: Paulo Castro
Sou uma pessoa avulsa, não tenho laços, nem bens materiais, sou despojado de tudo. Para mim, contam apenas o meu pai, três ou quatro amigos e a Inês. Mas, agora quero esquecer o que vivi com ela: é fácil, sou muito bom a fazer exercícios de abstracção. Basta pensar só no melhor que vivemos juntos e apagar o resto, a memória não me vai atraiçoar. Hei-de saber sempre lembrá-la com a doçura que merece e a distância a que a imponho para não acordar todos os dias de manhã, olhar-me ao espelho e ver, na imagem reflectida, um atrasado emocional. (…) Dormi com algumas mulheres durante estes meses. Mas os corpos delas, sempre apetecíveis até ao momento em que as levei para a cama, tornavam-se inertes, quase inanimados, depois de estar com elas, e um vazio estranho invadia-me a pele. Talvez tenha estado demasiado tempo com uma mulher que amei e me tenha habituado a um padrão de entendimento muito alto. Ou então, aquilo que inevitavelmente se apodera de nós, e que alguns teimam em chamar amor, tenha feito de mim uma pessoa melhor, e por isso mesmo, um amante melhor. Sempre gostei de comer gajas, e quem não gosta é paneleiro, mas demorei algum tempo a perceber a diferença abissal entre estar na cama com a mulher que se ama, ou dormir com qualquer outra. Com a Inês, eu era eu mesmo, alguém que sempre escondi de mim e dos outros e que ela soube, como ninguém, tocar. Com as outras mulheres sou apenas um homem, sinto-me mais um tipo qualquer, e quero que elas sejam um número a acrescentar à minha lista. Entra no meu jogo quem quer, e eu abandono-o sempre que me apetece.
Alma de Pássaro, Margarida Rebelo Pinto