Memórias de Uma Gueixa
Sou completamente fascinada pela cultura Oriental: os seus costumes, a sua gastronomia, os seus chás, a sua filosofia de vida, os seus rituais e, principalmente, as suas religiões.
Memórias de uma Gueixa é um épico que se desenrola num mundo fascinante, misterioso e exótico que conta a história de uma criança Japonesa, nos anos que antecederam a Segunda Guerra Mundial, que é arrancada à sua família de pescadores que vivia miseravelmente, para ir trabalhar como criada numa casa de Gueixas. Apesar de ser obrigada a conviver com uma rival traiçoeira, Hatsumomo, que quase lhe retira o encanto pela vida, esta criança, de olhos cinzentos translúcidos, desabrocha como um lírio transformando-se na lendária Gueixa Sayuri. Bela e muito inteligente, esta menina cativa os homens mais poderosos do seu tempo mas é assombrada pelo amor secreto que sente por um homem fora do seu alcance, que um dia lhe sorriu, tinha ela nove anos e lhe fez perspectivar uma vida feliz.
A imagem daquelas misteriosas mulheres, maquilhadas de branco e vestidas com belos quimonos, sempre fascinou os Ocidentais. Mas essa visão glamourosa não revela com acuidade quem realmente são, e o que fazem as Gueixas, porque fora das linhas geográficas Japonesas é comum que elas sejam conotadas como prostitutas de luxo, o que justifica o preconceito e o romantismo que as envolvem. Contrariamente ao que muitos imaginam, um cliente que paga pelos serviços de uma Gueixa, na maioria das vezes não se envolve sexualmente com ela, e quando isso acontece é uma decisão que cabe quase sempre à própria Gueixa.
Os Ocidentais desconhecem, porque estão escondidos atrás de preconceitos morais, é que para uma mulher se tornar Gueixa é necessário que se submeta a vários anos de uma aprendizagem rigorosíssima, aprendizagem que começa na infância. Elas aprendiam a dançar, a pintar, aprendiam caligrafia, música, nomeadamente o shamisen, dicção, regras de etiqueta, interpretação teatral e tinham que estudar muito, até atingirem a perfeição. Além de toda a formação intelectual, elas tinham ainda que ter uma aparência irrepreensível, vestindo Quimonos pesadíssimos, cheios de adornos, uma maquilhagem branca que cobria todo o rosto de branco, oshiroi, usavam tamancos de madeira, zori, e tinham que ser sempre alegres e delicadas. As casas onde viviam eram sustentadas por um homem rico e, na maioria dos caso, casado - o danna. As Gueixas eram mulheres contratadas por homens poderosos com o objectivo de os entreter nas festas, reuniões de negócios, jantares, e o intuito delas era tratar seus clientes o melhor possível, proporcionando-lhes momentos de prazer e deleite. Cada momento com uma Gueixa podia custar quantias exorbitantes.
A cada página desta obra assistimos às diferenças entre a nossa cultura e a das mulheres Gueixas. Curiosamente, aos nossos olhos são tão recrimináveis, tão diferentes de nós, mas como nos diz Sayuri « (…) muitas vezes dou comigo a perguntar-me porque é que elas não compreendem quanto de facto temos em comum», isto a propósito da mulheres que, de alguma forma, estão ligadas a homens ricos, 20 ou 30 anos mais velhos do que elas, vivem à custa do seu status, dos seus carros, das suas jóias, ou ainda, daquelas mulheres que toleram um homem, sem o amar, só por causa do dinheiro, o que não deixa de ser uma forma de se prostituírem…
Uma das passagens que considero fascinante neste livro diz respeito à cerimónia de mizuage, que é como quem diz, a perda da virgindade. É curioso que para qualquer adolescente, este acontecimento está envolto num clima de romantismo, de medo, de mistério e de secretismo. Qualquer uma de nós interrogou-se várias vezes “Como é que eu sei que chegou a hora?”, “Como é que eu sei que ele é o Tal?”, mas para Sayuri a experiência revelou-se muito diferente daquilo que nós poderemos imaginar.
A protagonista desta história entrega a vários homens, de estirpe elevada e por quem nutre algum respeito, um bolo que se chama ekubo, uma espécie de bolo de arroz-doce, que tem no topo uma cova com um pequeno círculo vermelho no centro, como sinal da intenção de lhe oferecer a sua castidade. Nas semanas seguintes a sua virgindade foi a leilão e o homem que ofereceu a quantia mais elevada, 11 500 ienes, valor histórico até então, iniciou-a na sua vida sexual.
Enquanto se prepararam para o acto, propriamente dito, o Dr. Caranguejo colocou uma toalha branca no chão, para lhe absorver o sangue, e poder exibir assim, o seu troféu de caça. Não sem antes mostrar a Sayuri uma mala repleta de frascos de vidro onde guardava outros pedaços de toalhas ensanguentadas e que continham os nomes de todas as meninas a quem iniciara. No final o Dr. fez-lhe uma vénia e disse-lhe «Muito Obrigado».
Palavras para quê???