Carta à Sra. Ministra da Educação
Exma Sra. Ministra:
Chamo-me S. B. tenho 33 anos, dois filhos, formei-me em Línguas e Literaturas Modernas - variante de Estudos Portugueses, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e sou Professora de Português desde 1997.
Este foi o meu sonho de menina. Recordo… nunca quis ser outra coisa, nunca me imaginei a fazer mais nada.
Durante o estágio percebi, com muita alegria, que estava no caminho certo para a concretização dos meus sonhos. Ainda me lembro, com uma nitidez impressionante, a primeira escola, em Pombal, a primeira aula, a primeira turma. Ainda sei de cor o nome dos 25 alunos com que fui presenteada e se fechar os olhos ainda os vejo sentados por ordem alfabética, curiosos face ao que eu era e ao que lhes vinha ensinar.
Passou o primeiro ano, o segundo… o décimo, e continuo a achar que é na escola que me sinto em casa, que aquele é o meu mundo e que eu pertenço ali. Em nada a minha motivação foi beliscada.
Não me chateiam nada as suas medidas para aquilo que diz ser «a qualidade do ensino», não me preocupa o estatuto da carreira docente; as aulas de substituição; o alargamento da carga horária e da idade da reforma, não me chateio com a TLEBS… Nada! Não quero saber disso para nada!
Sabe o que me angustia? Sabe o motivo pelo qual escrevo esta carta? Eu sei que ela nunca chegará às suas mãos, que a senhora Ministra jamais saberá das minhas tristezas, mas enquanto escrevo e a edito no meu blog exorcizo as minhas penas.
Como lhe disse anteriormente dou aulas há dez anos. Dez anos em escolas diferentes, com alunos diferentes, colegas diferentes, localidades diferentes também. Dez anos de maus horários, de maus vencimentos e quase sempre…longe de casa.
Sou, e serei nos anos que se avizinham, contratada. Sou a tal “carta fora do baralho”, a suplente, que apenas serve para tapar buracos. Felizmente, o sistema tem precisado sempre de mim, mas até quando?
Todos os anos passo pela angústia de estar desempregada a partir de 31 de Agosto, seguem-se semanas de agonia a aguardar nova colocação, segue-se a mendigagem do subsídio de desemprego. Segue-se a colocação numa escola estranha, com alunos estranhos, professores estranhos, salas estranhas onde no primeiro mês me sinto uma verdadeira extraterrestre acabadinha de aterrar, vinda de um planeta distante.
Passado o primeiro impacto, lá estou eu, como um peixe na água a desempenhar o melhor que posso e sei as minhas funções.
E, sabe uma coisa? Desempenho-as muito bem!
Sim, sim, leu bem, eu escrevi que desempenho muito bem as minhas funções. Quer provas???
Convido-a a contactar as centenas de alunos a quem já tive o prazer de ensinar, vá ao terreno, oiça as opiniões daqueles que realmente importam. O processo ensino – aprendizagem é centrado nos alunos e é com eles que me preocupo. No entanto, pode também ouvir os meus colegas, os conselhos executivos, os funcionários, os pais, nada tenho a recear.
Ouvi dizer que o seu Ministério vai atribuir um prémio de 25000 euros aos melhores professores. Não almejo esse valor, eu sou premiada diariamente pelos meus alunos, os seus sorrisos, as suas palavras de apreço premeiam-me e esse presente tem para mim um valor incomensurável.
Recuando, estava eu a dizer-lhe que me tenho na conta de uma profissional competente, não lecciono duas aulas iguais, porque tenho sempre em consideração o universo de crianças e jovens à minha frente, preparo com rigor cada aula que dou, mas também dou espaço para que as aulas «aconteçam» como dizia o nosso querido Sebastião da Gama.
Não ensino apenas Língua portuguesa e Português, preocupo-me também em formar alunos em cidadania, em valores pessoais e morais. Discuto com eles problemas de ordem social, pessoal, sexual. As minhas aulas têm sempre uma janela aberta para ouvir e discutir as realidades que os preocupam.
Gosto ainda de os conhecer para além dos limites dos programas, no início do ano lectivo peço-lhes sempre para redigirem alguns textos de ordem pessoal que me deixem percepcionar a pessoa, para além do aluno. E é aí que me apercebo dos seus problemas familiares, dos seus medos e frustrações.
Quando os seus rostos, ou o seu comportamento deixa transparecer que algo não está bem, tento sempre, no final da aula, disponibilizar o meu tempo, a minha amizade.
Isto é o que eu sou. Isto é o que faço.
Não lhe escrevo esta carta para lhe dizer que sou melhor profissional do que os meus colegas. Não, felizmente existem excelentes profissionais por esse país fora que desempenharão tão bem ou melhor do que eu as suas funções.
Escrevo-lhe para lhe dizer que sinto na pele, a cada ano que passa, que estou na border line. Em cima da minha cabeça está sempre o espectro fatal do desemprego. A Sra. Ministra não faz ideia da quantidade de coisas que estão em stand by na minha vida, à espera de estabilidade profissional.
Como milhares de outros professores sacrifico constantemente a minha família. Tenho dois filhos pequenos a quem dou menos apoio do que devia porque este ano faço diariamente 2h 30ms para ir dar aulas na Escola Gago Coutinho em Alverca, com um horário de 13 míseras, com um vencimento deficiente que pouco mais paga que o passe à CP.
O que a Sra. não sabe é que o meu filho mais velho tem apenas 6 anos, entrou este ano para o primeiro ciclo e que eu nunca o apoio durante a semana, na realização dos seus trabalhos de casa, porque tenho também horário nocturno. Durante a noite ele acorda e chama por mim, está sempre à espera que eu chegue para lhe aconchegar os lençóis e lhe dar o último beijo antes que o Anjo dos sonhos o leve para brincar. O meu outro filho acabou de fazer três anos, de manhã deixo-o no infantário por volta das 9h 30ms e só o volto a ver a dormir. Por eles nunca concorri a nível nacional, não tive coragem para os «abandonar» durante a semana, tornando-os assim órfãos de mãe viva, ou então levá-los comigo para um lugar estranho e obrigá-los a viver sem a presença do pai.
O que a Sra. Ministra não sabe é que no final de cada ano lectivo algumas das minhas alunas choram e me pedem para não ir embora (como se essa decisão dependesse de mim…). Fico sempre com um nó na garganta, com pena de não dar continuidade aos projectos iniciados.
Acredito em algumas das suas medidas para melhorar a qualidade do ensino, acredito também que este sistema educativo estava viciado, e só alterações muito profundas poderão dar frutos.
Mas tenho medo… medo de um dia ser “descartada” e ser obrigada a fugir daquele que escolhi para meu caminho; medo que a autonomia das escolas passe a funcionar por compadrio, e que os Conselhos executivos só coloquem as pessoas que lhes interessem; medo de um dia me deixar vencer pelo cansaço e me transformar numa professora medíocre como tantas outras; medo de não concretizar tantos sonhos à espera do meu lugar nos quadros de uma escola.
Termino aqui este meu desabafo… quem sabe um dia a Sra. ministra não descobre “por acaso” o meu blog, e como as coincidências, não existem, talvez me ajude a resolver esta situação, basta apenas um toque mágico com a sua «varinha de condão».