Fanatismo
Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida. Meus olhos andam cegos de te ver! Não és sequer razão do meu viver Pois que tu és já toda a minha vida! ...
E, olhos postos em ti, digo de rastros: «Ah! Podem voar mundos, morrer astros, Que tu és como Deus: Princípio e Fim!...» | | Aqueles que me têm muito amor Não sabem o que sinto e o que sou... Não sabem que passou, um dia, a Dor À minha porta e, nesse dia, entrou. E é desde então que eu sinto este pavor, Este frio que anda em mim, e que gelou O que de bom me deu Nosso Senhor Se eu nem sei por onde ando e onde vou!!
Sinto os passos de Dor, essa cadência Que é já tortura infinda, que é demência! Que é já vontade doida de gritar!
E é sempre a mesma mágoa, o mesmo tédio, A mesma angústia funda, sem remédio, Andando atrás de mim, sem me largar! |
A Tua Voz na Primavera
Manto de seda azul, o céu reflecte Quanta alegria na minha alma vai! Tenho os meus lábios húmidos: tomai A flor e o mel que a vida nos promete!
Sinfonia de luz meu corpo não repete O ritmo e a cor dum mesmo beijo... olhai! Iguala o sol que sempre às ondas cai, Sem que a visão dos poentes se complete!
Meus pequeninos seios cor-de-rosa, Se os roça ou prende a tua mão nervosa, Têm a firmeza elástica dos gamos...
Os versos que Te Fiz
Deixe dizer-te os lindos versos raros Que a minha boca tem pra te dizer ! São talhados em mármore de Paros Cinzelados por mim pra te oferecer.
Tem dolência de veludo caros, São como sedas pálidas a arder... Deixa dizer-te os lindos versos raros Que foram feitos pra te endoidecer !
Mas, meu Amor, eu não te digo ainda... Que a boca da mulher é sempre linda Se dentro guarda um verso que não diz !
Amo-te tanto ! E nunca te beijei... E nesse beijo, Amor, que eu te não dei Guardo os versos mais lindos que te fiz. Beija-mas bem!... Que fantasia louca Guardar assim, fechados, nestas mãos, Os beijos que sonhei pra minha boca!...
| | À Morte
Morte, minha Senhora Dona Morte, Tão bom que deve ser o teu abraço! Lânguido e doce como um doce laço E como uma raiz, sereno e forte. Não há mal que não sare ou não conforte Tua mão que nos guia passo a passo, Em ti, dentro de ti, no teu regaço Não há triste destino nem má sorte. Dona Morte dos dedos de veludo, Fecha-me os olhos que já viram tudo! Prende-me as asas que voaram tanto! Vim da Moirama, sou filha de rei, Má fada me encantou e aqui fiquei À tua espera... quebra-me o encanto! A maior Tortura
A um grande poeta de Portugal
Na vida, para mim, não há deleite. Ando a chorar convulsa noite e dia ... E não tenho uma sombra fugidia Onde poise a cabeça, onde me deite ! E nem flor de lilás tenho que enfeite A minha atroz, imensa nostalgia ! ... A minha pobre Mãe tão branca e fria Deu-me a beber a Mágoa no seu leite !
Poeta, eu sou um cardo desprezado, A urze que se pisa sob os pés. Sou, como tu, um riso desgraçado !
Mas a minha tortura inda é maior: Não ser poeta assim como tu és Para gritar num verso a minha Dor ! ... |
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior Do que os homens! Morder como quem beija! É ser mendigo e dar como quem seja Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!
É ter de mil desejos o esplendor E não saber sequer que se deseja! É ter cá dentro um astro que flameja, É ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede de Infinito! Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim... É condensar o mundo num só grito!
E é amar-te, assim, perdidamente... É seres alma, e sangue, e vida em mim E dizê-lo cantando a toda a gente | | A noite desce...
Como pálpebras roxas que tombassem Sobre uns olhos cansados, carinhosas, A noite desce... Ah! doces mãos piedosas Que os meus olhos tristíssimos fechassem!
Assim mãos de bondade me embalassem! Assim me adormecessem, caridosas, E em braçadas de lírios e mimosas, No crepúsculo que desce me enterrassem!
A noite em sombra e fumo se desfaz... Perfume de baunilha ou de lilás, A noite põe-me embriagada, louca!
E a noite vai descendo, muda e calma... Meu doce Amor, tu beijas a minh’alma Beijando nesta hora a minha boca! |