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aspalavrasnuncatedirei

Há palavras que nunca chegam ao destino...fazem uma longa e amarga travessia pela solidão dos sentidos e morrem na escrita destas crónicas.

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Há palavras que nunca chegam ao destino...fazem uma longa e amarga travessia pela solidão dos sentidos e morrem na escrita destas crónicas.

Na Corda Bamba

por aspalavrasnuncatedirei, em 19.01.08

 

Imagem Retirada da Internet

 

De manhã, coloco os pés no chão e percebo que o meu solo já não é alcatifado, sei que já não é composto por relva macia e que ali já não dorme um tapete confortável. E reconheço...não há ninguém para me dar a mão e fazer saltar da cama, não há ninguém para me ajudar a andar. Olho para o dia que se desenha à minha frente e vejo-o como uma oportunidade única. É uma dádiva da vida que me ensina a reaprender a caminhar sozinha. Assim que os meus pés tocam a aspereza da terra, consciencializo-me que tenho mais um percursso de travessia pelo deserto, mais um dia de boderline. Começo por respirar fundo e tentar encher cada célula de luz, cada poro de vida. Lentamente os meus pés, descalços e nus, sentem a instabilidade da corda bamba, sentem os picos do arame farpado a entranharem-se na minha carne ainda tenra. Pé ante pé, sigo em frente, com a cabeça erguida, olhos postos na linha do horizonte, fé consentida num nascer do sol cheio de possibilidades novas por explorar. Nunca olho para trás (de que adianta recordar as cordas percorridas?) nunca olho para baixo (de que adianta a certeza que estou a 200 metros do solo sem rede de segurança?). Em cada posição do pé, surge uma nova realidade, uma nova aventura. É a Odisseia de Homero, onde eu, Ulisses na versão feminina, combato o Ciclope Polifemo das contas para pagar, combato um exército de birras, aprendo a lidar com olhares acusadores, enfrento tempestades de queixumes de quem nada sabe, de quem nada sente. E a travessia continua… enquanto os meus pés deslizam, sangrando e frágeis, cruzo-me com outras pessoas, itinerantes também nas suas cordas. Leio nos olhos o sofrimento de uns, que tentam desesperadamente manter o equilíbrio, leio nos lábios o sorriso de outros, que lutam estoicamente para manter as aparências… olho para mim e vejo que trago nos braços duas pedras preciosas, que antiteticamente tornam o percurso mais leve, mais suave, mais bonito. O dia termina… deixo os pés repousar... Observo o meu corpo e faço o balanço: calcanhares em chagas, braços sem força, o corpo sovado pelo cansaço, o olhar sem brilho… mas a paz no coração de neste pôr do sol ter feito o meu caminho sozinha, ter conseguido chegar à outra margem, com a certeza de um dever cumprido, sem ter perdido o equilíbrio, sem ter caído, sem ter perdido o fio que me liga à vida.


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