Mulher de Folhos
Imagem Retirada da Internet
Entro na sala de aula e volto a sentir o nervoso miudinho de um menino acabado de chegar à Escola pela primeira vez. Sento-me na última carteira para ver se ninguém dá pela minha presença. A lição já vai a meio e tu deslizas de um lado para o outro como uma fada de giz na mão a fazer de varinha de condão. Tentas captar em ti a atenção dos alunos. Ensinas-lhes poesia. Tu és poesia. Em ti leio os mais belos versos de amor. Dizes qualquer coisa sobre um escritor, acho que se chama Cesário Verde. Não percebo bem o que dizes, não consigo estar atento. Distrais-me. Distraio-me com os teus movimentos, com o som da tua voz, com o teu sorriso. De repente, dizes algo com que me identifico e prendes a minha atenção nas pestanas do teu olhar. Explicas que Cesário foi um poeta que sofreu na pele o desprezo feminino. A mulher citadina pavoneava-se à frente dele, bela, distante, perfumada e inacessível. Ensinas que o referido senhor suspira por uma mulher de classe alta que passeia à sua frente, cheia de folhos, que o despreza por trabalhar numa loja de ferragens e não ter ‘sangue azul’ para estar ao seu lado. Também eu, um dia, há muito tempo, olhei para ti como a mulher de folhos… inalcançável… que flutuava sedutora à minha frente. Nunca acreditei que um dia te iria despir esses folhos. Nunca imaginei que um dia te poderia ter. Olho à minha volta e vejo outros meninos/homens que trocam sorrisos cúmplices, matreiros. Leio nos olhos deles o que um dia espelhei nos meus. Também tu, hoje, és para eles, a mulher de folhos que desejam. Ecoa o som da campainha, ouve-se um frenesim de cadeiras e mochilas. O meu coração volta a bater descompassado. Aproximo-me de ti, beijo-te levemente os lábios. Saio da sala contigo de mãos dadas. De dedos entrelaçados. Quero mostrar a estes meninos/homens que és minha. Que és a minha mulher de folhos.