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aspalavrasnuncatedirei

Há palavras que nunca chegam ao destino...fazem uma longa e amarga travessia pela solidão dos sentidos e morrem na escrita destas crónicas.

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Há palavras que nunca chegam ao destino...fazem uma longa e amarga travessia pela solidão dos sentidos e morrem na escrita destas crónicas.

E tu… és feliz ou fazes de conta?

por aspalavrasnuncatedirei, em 20.04.16

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Foste embora com a desculpa que querias ser feliz e que a felicidade já não morava em nós. Disseste que desejavas uma vida mais animada, marcada por novos desafios, povoada por outras pessoas, mais intensa de emoções. Disseste tudo isto numa frieza que até então desconhecia em ti, e fiquei suspensa como aranha na teia em quarto escuro, com o eco das tuas palavras a surgirem como vagas contra mim, a lutar contra as evidências: já não me amavas…

 

O tempo passou dolorosamente longo e os meus dias oscilaram entre a tristeza profunda, o facto de não entender o rumo do teu afeto, o desejo premente que o arrependimento falasse mais alto e te fizesse regressar a casa, mas invariavelmente… tentei aceitar as tuas decisões.

 

Meses mais tarde, sem estar à espera que a ironia do destino me pregasse uma partida, cruzei-me contigo por acaso num bar. Eu, que continuo a não acreditar em acasos, percebi que afinal, a felicidade que tinhas ido procurar, tardava, e ainda não tinha chegado.

 

Naquela noite, eu cheguei com as amigas habituais, aquelas que me acompanham há tantos anos, as mesmas que me enxugaram as lágrimas quando partiste, que apareceram ensonadas em minha casa nas madrugadas mais sombrias, naquelas em que fui assaltada e consumida pelas saudades de nós. Essas amigas, que me levaram chá de maçã e canela à cama para me tentar reconfortar e ajudar a adormecer tranquila, que trouxeram gelado e bombons (a maior terapia para a dor de cotovelo) foram as mesmas que me arrastaram para uma girls night naquele sábado à noite.

 

Foi com elas que cheguei ao bar, tímida e desconfortável, mas com vontade de redescobrir o meu sorriso, cauterizado pelas lágrimas em que me fui cristalizando, levava um vestido branco, a condizer com a minha alma singela, esvoaçante como as aves primaveris que iniciavam o seu voo noturno, um vestido daqueles que prende o olhar dos homens da tua laia e aumentou por isso a minha autoestima tão fragilizada. Passei a noite a dançar e senti-me novamente leve e viva.

 

O rumo da minha dança mudou de forma drástica… não esperava cruzar-me contigo quando ao balcão pedimos ao mesmo tempo uma Caipirinha ao Barman. Ficámos imóveis sem saber o que dizer, os espetros do passado, dos dias em que a tua felicidade se fez ao meu lado, assaltaram-nos numa avalanche de sentimentos confusos e contraditórios.

 

- Olá, como estás?» Perguntei quando recuperei a voz.

 

- Boa noite. Respondeste tu e o cabide que te acompanhava.

 

Ao teu lado gravitava uma mulher muito diferente de mim: mais nova, mais alta, mais magra, escandalosamente mais bonita. Os teus olhos, que eu outrora conheci brilhantes e apaixonados, estavam baços, vidrados, distantes, completamente desapaixonados pela pessoa que te acompanhava. Curioso… viveste sempre rodeado de pessoas que te estimavam, agora estás acompanhado pela solidão e pelo abandono. Os teus amigos… onde estão eles?

 

Pela madrugada fora os nossos olhos cruzaram-se com frequência. O que a nossa boca não disse, o nosso olhar confessou.

 

Fui-me embora antes de ti e ao chegar cá fora avistei o teu carro. Incentivada pela Caipirinha que tinha bebido, deixei um bilhete no vidro. Era hábito entre nós a troca de mensagens cheias de mimo, pensei que não devia perder esta oportunidade. Escrevi: «E tu, és mais feliz agora ou fazes de conta? Marquei-o com um beijo de batom vermelho e elevei o meu pensamento. Naquele instante, agradeci, de coração, o facto de teres saído da minha vida e me teres libertado de ti para poder ser verdadeiramente feliz.

 

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Texto: Sandra Barbosa

(Todos os direitos de autor reservados)

Imagem: Retirada da Internet

Na cauda do teu piano

por aspalavrasnuncatedirei, em 15.04.16

Piano.jpg

 

Aproximei-me lentamente para que não sentisses a minha presença. Mesmo antes de ver a expressão do teu rosto, percebi que não estavas bem. Só te entregas ao piano quando os teus dias são sombrios, quando a pressão no peito é tão forte porque lá dentro o coração ameaça explodir, é que purificas a alma na Moonlight Sonata de Beethoven. Naquele instante, os teus dedos, como varinhas mágicas, transferem para o teclado, todas as emoções que te habitam. Invejo-o, porque lhe tocas, são aquelas teclas pretas e brancas, maravilhosamente melodiosas, desumanamente frias, que recebem o calor da ponta dos teus dedos. São elas que acariciadas, gemem por ti.

Queria que me entregasses o teu medo, que depositasses em mim a tua raiva, a tua frustração, que encontrasses em mim o teu porto de abrigo, a tua alma conselheira. Mas não consegues, a tua alma é feita de pautas, de acordes, não de palavras e por isso, é sempre o piano que te recebe. Hoje decidi ganhar esta guerra fria e vou entrar na partitura que construíste à tua volta para te proteger. Vou entrar no teu mundo opaco e roubar ao piano o carinho que é meu.

Encosto o meu corpo ao teu em silêncio, fico imóvel… deixo que o calor do meu ventre te aqueça as costas. Inicialmente ignoras-me, estás demasiado cristalizado nos teus medos para te permitires sentir alguma sensação de conforto, mas eu não desisto e suavemente coloco as mãos sobre ti. Acaricio-te os ombros, tão tensos de vida, deixo que um fio imaginário se desprenda das minhas mãos e te faça uma transfusão de todo o meu amor. Começas a vacilar… aqui e ali uma nota ecoa fora do sítio… desço timidamente a minha boca ao teu pescoço para te arrepiar, provocando na música um som cada vez mais perturbado.

Subo com delicadeza para a cauda do piano, a camisa de noite sobe ligeiramente insinuando-te debaixo dela  o meu corpo que adivinhas nu. Lentamente… deito-me de barriga para cima lançando em súplica o meu amor ao céu, deixo-me cair para trás, entregando o meu corpo quente ao arrepio frio da madeira. O meu cabelo espalha-se docemente pelas teclas… a música para... os teus dedos repousam assustados e cansados em mim, agora a minha pele, que também conheces de cor, é o teu piano e o meu corpo é a partitura que desejas ler.

Compenetradamente, libertas-me do pedaço de cetim que trago vestido e que atiras para o lado, descobres a minha pele branca que contrasta com o negro do Steinway e admiras com um olhar penetrante cada pedaço de mim. A tua boca procura na minha o sopro de vida que lhe tem faltado para respirar, abraças-me em desespero e repousas a face no meu peito que reconheces como o templo que te pacifica. E é no momento em que te seguro no rosto para te fazer aportar nos meus olhos, que te esqueces da sombra dos dias e descobres o brilho faroleiro que te guia ao encontro do amor.

 

Texto: Sandra Barbosa

(Todos os direitos de autor reservados)

Imagem: Retirada da Internet

Somos sempre menos na vida dos outros do que aquilo que imaginamos...

por aspalavrasnuncatedirei, em 10.04.16

 

sozinha 3.jpg

 

Hoje sonhei que tinha morrido num estúpido acidente de carro, estava a enviar uma mensagem ao meu marido "- Tira o frango do congelador" quando me despistei ribanceira abaixo.

 

O meu espírito, do lado de fora, assistia ao pânico das pessoas que se aglomeravam e ao aparato que se gerou à volta. Via o meu corpo ensanguentado dentro do carro e o sopro de vida a esvair-se de mim. A primeira coisa que me ocorreu foi "- Como é que eles vão viver sem mim?" e a minha alma desmaiou de aflição naquele instante.

 

Acordei 4 meses depois numa nuvem alcatifada, apressei-me a pedir autorização às hierarquias universais para vir cá abaixo (felizmente que no plano celeste existe menos burocracia) e vim à terra para visitar o sofrimento daqueles que me  amavam, mas... ninguém me tinha preparado para o que ia acontecer a seguir...

 

Trespassei as paredes da casa - já tinha visto isto num filme, e sempre tive vontade de o fazer - e vi o meu marido deitado no sofá a olhar para o telemóvel (desde quando é que tens um iphone 6?). Aproximei-me, já a padecer-me com a sua dor e vi-o… com uma camisa azul nova, barbeado, perfumado a cheirar a fresco, cabelo um pouco mais comprido, acho que tinha até um penteado novo. Lindo de morrer, como no dia em que o conheci. ESPEREM LÁ!!!!!! O QUE É QUE SE PASSA AQUI???? Este tipo está viúvo há 4 meses, não está vestido de luto, não tem um ar infeliz e está todo sorridente a enviar mensagens??? Como é que é possível? Estranho...

 

Aproximei-me para ler o que escrevia, possivelmente estaria a tratar dos negócios da quinta ou a conversar com as nossas filhas. Debrucei-me sobre ele e li...  O destinatário chamava-se "Chuchu"... CHUCHU"?!?!?!? Mas o que é isto?!?!?! O meu corpo ainda não arrefeceu e ele em vez de pensar que a vida não faz sentido sem mim, já está a convidar uma hortaliça para jantar????? 

 

Não quis acreditar no que via, já não tinha corpo para me doer, mas percebi, agora mais do que nunca, que as dores sempre foram de alma, levitei até ao primeiro andar para me pacificar com as minhas filhas que estariam certamente arrasadas com o meu desaparecimento tão prematuro.

 

Entrei pela porta do quarto, lá dentro ecoavam as gargalhadas das minhas meninas que frenéticas trocavam de roupa deixando tudo caótico à sua volta... - Meu Deus, como é que elas cresceram tanto em tão pouco tempo? A Sissi estava tão elegante naquele vestido preto e a Nucha ficava linda maquilhada. Oh não... outra vez não... mas o que é que aconteceu às minhas princesas?!?! Elas não sentem a minha falta??? Vão sair à noite?!?! Para onde? Com quem? O pai autorizou?

 

-  Sissi, despe imediatamente esse vestido porque ele é meu e custou-me uma fortuna!

 

- Nucha, vai lavar a cara e tira os saltos altos que não tens idade para isso!

 

A minha alma exausta... deambulou pela casa tentando encontrar resquícios meus por ali. Já não era o meu lar, era uma habitação onde a minha família morava...

 

Decidi visitar o escritório para confirmar se o caos se tinha instalado por lá também. Certamente que os meus colegas sentiam a minha falta. Pois é... agora não tinham quem resolvesse as asneiras que eles faziam. Quem trabalhava atualmente horas a mais no fim do dia? E aos fins de semana? E agora, quem respondia aos emails? Quem aturava os clientes chatos? Não me admirava nada que com o meu desaparecimento estivessem à beira da rotura. 

 

Ao chegar, reparei que se encontrava tudo como antes, tudinho! Estranhamente senti algum conforto, uma vez que ainda estava em estado de choque com o que vira em casa, mas ali, no local onde dei o meu sangue, suor e lágrimas durante 20 anos, estava tudo igual.

 

O diretor comercial continuava enrolado com a rececionista de decotes proeminentes, que por sua vez, permanecia proeminentemente decotada. O meu colega Américo lá estava afincadamente em frente ao computador... mas a ocupar o tempo no Facebook, a suspirar pelas vidas de mentira que via em cada perfil, para esquecer a ausência de alegria que subsistia na sua patética existência. A Isabel mantinha-se um polvo traiçoeiro, cujos tentáculos destilavam veneno, minando tudo e todos à sua volta. Portadora de uma língua viperina, com pernas de gazela numa minissaia ordinária, uma verdadeira cabra para as colegas, uma gata com cio atrás do tipo musculado dos recursos humanos, fazendo-se passar uma cadela fiel ao gestor financeiro, quando na verdade, anda armada em papagaio a vender informações sobre a nossa carteira de clientes. Irra!!!!! É muito bicho numa mulher só.

 

Olhei para o meu gabinete, aproximei-me lentamente... e vi que na minha secretária já não repousa a minha fotografia com a família nos Alpes, nem a foto do último jantar de Natal da empresa onde eu estava sorridente e feliz, na parede já não mora o meu diploma e na janela já secou, por falta de cuidado, a minha orquídea. Depositei a minha alma na cadeira, e morri novamente num despiste causado pelo abandono e desilusão e chorei, chorei, chorei como só uma alma em sofrimento sabe fazer.

 

E foi assim que acordei na minha cama... Lavada em lágrimas devido a um sonho sufocantemente real. Olhei para o lado, o Miguel dormia ainda com um leve sorriso (será que já anda  dar umas dentadas na Chuchu?)... fui ao quarto das miúdas e mantinham os rostos angelicais aos meus olhos de mãe. Fui tomar um duche e preparei-me para ir trabalhar.

 

Que sonho estranho... é esquisito descobrir que quando morres o mundo continua a girar sem a tua presença, que as pessoas que amas voltam a amar e que tu és apenas uma centelha divina que nasce, vive e morre. Não vale a pena sacrificares-te pelos outros, trabalhar até à exaustão, anulares os teus sonhos em nome da felicidade daqueles que achas que tens obrigação de proteger porque… somos sempre menos na vida dos outros do que aquilo que imaginamos...

 

 

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Texto: Sandra Barbosa

(Todos os direitos de autor reservados)

Imagem: Retirada da Internet

Tão estranhos que nós somos

por aspalavrasnuncatedirei, em 05.04.16

 

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Saímos de casa com uma pontualidade britânica às 10:30 como sempre fazemos a cada manhã de domingo. Com movimentos mecânicos entramos no carro, sentas-te numa atitude machista ao volante, conduzes sempre que estamos os dois, mesmo que a viagem se faça no meu carro, eu já nem ligo, distraio-me com a companhia do rádio, mudando de estação emissora sempre que a melodia não me agrada.

 

Paras na pastelaria de sempre sem me perguntar se gostaria de me aventurar noutro espaço qualquer, sento-me na mesa do costume, virada para a rua habitual, só para me poder deixar aquecer pelo sol. De olhos vidrados vejo numa tela gasta de cinema a vida a passar diante dos meus olhos… conheço de cor todos os nossos rituais, sei com uma certeza dolorosamente absurda todos os movimentos que vamos fazer, todas as palavras que vamos dizer.

 

Vais pedir um café curto, em chávena fria, e um pastel de nata queimado, borrifado com canela. Pedes, como se eu não tivesse voz ou vontade própria, um chá de camomila para mim, desconhecendo que hoje em dia prefiro cidreira. Enquanto esperas, irás ler o jornal que saqueaste à mesa do lado. Começas a leitura pela página do desporto, saltitas pelos títulos da economia e vais ser interrompido pela vizinha do 5ºC que virá comprar pão, acompanhada pelo cão e tu vais aproveitar para brincar com ele. Enquanto as tuas mãos afagam o pelo do pastor alemão, recordo-me do tempo em que as tuas mãos tinham o poder de arrepiar a minha pele quando as sentia… Hoje, olho-as enrugadas, frias, distantes, incapazes de me provocar qualquer sensação. Subo o meu olhar das mãos aos olhos e não te reconheço… ou melhor, tens pouco do homem por quem um dia me apaixonei. Já não me fazes rir, talvez porque conheço as tuas piadas de cor e tu perdeste a capacidade de me surpreender com frases novas.

 

E quando os teus olhos regressam ao jornal, fito-te com um olhar longínquo e deixo-me vaguear tristemente. Tornámo-nos dois estranhos que coabitam no mesmo casulo. Tu sais de manhã para o consultório e vives uma felicidade novelesca com a tua secretária. Pensavas que eu não sabia? Sei, há muito que sei. Não consigo precisar quando o percebi, mas quando dei por isso há muito tempo que os teus beijos eram castos, os teus abraços eram fraternais e o meu corpo era invisível ao teu. Depois, foi só ver a forma como passaste a vestir roupas que são para homens com metade da tua idade, observar que gastas uma pequena fortuna em cremes antirrugas, que tudo à tua volta é anti age e que as horas extraordinárias que fazes a cada serão, se fazem acompanhar com o empenho da tua secretária.

 

Sabes o que é mais triste do que a traição? É a tua capacidade em me seres tão indiferente, é a minha frieza para não te sentir em mim, é o facto de seres uma vela apagada que há muito não ilumina a minha vida. Não me dói no corpo, nem na alma, muito menos na autoestima. O homem por quem me apaixonei aos 16 anos, que me fez mulher aos 18, com que me casei aos 21, o que me fez mãe aos 23 simplesmente já não existe, perdeu-se nesses caminhos empoeirados, tornou-se um adereço como qualquer outro lá de casa, e, fatalmente tornou-se cego à pessoa em que me transformei também.

 

Bebo um gole de chá que arrefeceu de desapontamento na chávena só para me ajudar a esquecer esta solidão a dois, para engolir esta insatisfação de ainda partilhar contigo os rituais de domingo.

 

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Texto: Sandra Barbosa

(Todos os direitos de autor reservados)

Imagem: Retirada da Internet

 

Voltar atrás no tempo

por aspalavrasnuncatedirei, em 03.04.16

 

Tempo6.jpg

Gostava de ter um relógio mágico que me permitisse retroceder os seus ponteiros em algumas situações da minha vida, não para alterar o que quer que fosse, pois o rumo que os meus dias tomaram não podia ter sido mais perfeito, mais harmonioso, mas porque gostava de poder sentir novamente algumas sensações.

 

Voltar atrás no tempo… para sentir o abraço o meu avô e encontrar-me no reflexo dos seus olhos inundados de lágrimas sempre que me via, passear naquela mota especial que ele tinha, com um banquinho atrás que eu achava que tinha sido lá colocada especialmente para mim.

 

Queria poder inverter as horas para dar a mão à minha mãe e ir com ela, vestida de bibe ao xadrezinho vermelho e branco, até ao infantário, pendurar-me no seu pescoço e dar-lhe beijos repenicados, pedir-lhe com voz de mimo que me viesse buscar depressa e sentir o aroma, que ainda hoje guardo, da sua pele que sempre me cheirou a Pink Lotion da embalagem cor-de-rosa.

 

Perder-me nos fios do tempo… para ser uma outra vez uma maria-rapaz, brincar em cima das árvores com os meus primos e vizinhos, andar em cima dos telhados no Alvorão, fugir dos ralhetes e enfrentá-los com gargalhadas atrevidas mas felizes.

 

Quem me dera tornar a vestir capa e batina e sentir os acordes a tilintar na minha alma provocados pelas serenatas nas escadas da Sé Velha de Coimbra, voltar a cansar-me a subir as belas Escadas Monumentais, saborear um café na esplanada do Trianon em Celas, passear com as amigas pela ancestralidade do Jardim Botânico, enquanto fazíamos planos para um futuro que nunca chegou, acordar ao som da Tuna de Medicina debaixo da minha janela e sentir borboletas na barriga ao som do “Donzela que sempre amarei”. Voltar a fazer promessas de amor eterno na Fonte dos Amores e sonhar com histórias de personagens com finais felizes.

 

Pudera eu passar novamente pela sensação maravilhosa de dar a minha primeira aula ao 10ºB em Pombal, o palpitar do coração a bater de forma descontrolada, as mãos geladas, a voz que teimava esconder-se nas profundezas assustadas do meu ser, mas acima de tudo, ver o olhar daqueles meninos e meninas, que foram os meus primeiros alunos e cujo nome ainda hoje sei de cor. Beber-lhes novamente os sorrisos doces que funcionavam como varinhas de condão no combate a todo o meu nervosismo. Mal eles sabem o tanto que me ensinaram sobre a professora que queria ser e um laço invisível e inquebrável de carinho e respeito ficou até hoje.

 

Viajar no tempo…até aquele dia de outono em que me vesti de branco, com vestido de princesa, protegida pelo véu dos sonhos e me senti a mais bonita das mulheres enquanto desfilava numa passadeira em direção ao “Para sempre…” e que afinal se revelou apenas no “Enquanto valer a pena”… caminhar com a certeza que a felicidade estava a meia dúzia de passos à minha frente e viver num conto de fadas enquanto não acordasse desse sono profundo.

 

Queria tanto, mas tanto, sentir novamente o meu corpo a transformar-se com os meus filhos a ganharem raízes dentro de mim… revisitar esse momento mágico em que os abracei pela primeira vez, em que a palavra “Mãe” me passou a definir, em que todo o universo que sou se resumia a dois anjos que se escapuliram do céu só para poderem atravessar o fio da eternidade e fazerem de mim a origem das suas vidas. Queria que o meu peito voltasse a ser a fonte do seu alimento, só para os poder olhar nos olhos e rezar baixinho, a quem quer que seja responsável pela felicidade das crianças, para que os protegesse, para que lhes desse colo, para que preparasse para eles um futuro risonho e cheio de amor.

 

Voltar atrás no tempo… até aquele fim de tarde em que os nossos caminhos se cruzaram, sem coincidências, porque não acredito na sua existência, contra todas as probabilidades…ali estava eu…ali estavas tu e o que senti também queria recuá-lo no tempo, aquele momento mágico em que me olhaste nos olhos e me senti nua…. aquele momento ilusionista em que percebi que depois de ti, nunca mais nada na minha vida seria igual.

 

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Texto: Sandra Barbosa

(Todos os direitos de autor reservados)

Imagem: Retirada da Internet

 

Terrorismo emocional

por aspalavrasnuncatedirei, em 01.04.16

Terrorismo emocional 1.jpg

 

 Se há coisas que amo nesta vida, uma delas é o terrorismo emocional que pulsa à nossa volta sempre que estamos juntos. Gosto da sensação de te sentir dolorosamente perto, perceber que o mundo lá fora está maravilhosamente distante, que vivemos esta paixão em silêncio, que existimos na sombra, sem jamais darmos voz às emoções que ecoam em nós, ou aos sentimentos que nos habitam sem licença ou autorização.

Enquanto as nossas conversas fluem, adoro sentir a minha boca a seduzir-te sem que lhe possas surripiar um beijo, não fazes a menor ideia do que me diverte passar o batom de cereja nos lábios, humedecê-los lentamente com a língua, só para ouvir a tua respiração alterar, só para te ver engolir em seco...

Apraz-me passar os dedos pelo cabelo… devagar… sem pressa… entrelaçá-los nos meus caracóis e sentir as tuas mãos imóveis, ansiosamente presas a cada um dos meus fios, num desejo aflito de o afagares, de o deixares em desalinho, de te deixares envolver pelo seu toque acetinado, macio e perfumado.

Sabes, há momentos em que brinco com gargantilha que repousa no meu pescoço só para te aprisionar ao “V” meu decote, para que te detenhas na minha pele branca, para que imagines a temperatura do meu corpo, o aroma adocicado que dele se desprende, para que te invada um desejo irrefreável de desapertar cada botão da minha camisa.

E quando te olho nos olhos, utilizo a minha arma mais letal, a transparência, o brilho do meu olhar que jamais desvio quando se encontra com o teu. Deixo que penetres no fundo dos meus sentidos e desvendes tudo o que sinto, tudo o que calo, tudo o que anseio. Nesse instante absorves-me para o interior da tua alma, e permites também que te escute sem nada murmurares, que te sinta sem te tocar, que te entenda sem nada verbalizares. Cada vez mais próximos no jogo da paixão, mas terrivelmente longe do razoável, consinto que este terrorismo emocional se acenda, se ateie, se inflame, se abrase e que no plano dos sonhos os nossos corpos ardam para se consumirem neste desejo, para se cumprirem neste amor.

 

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Texto: Sandra Barbosa

(Todos os direitos de autor reservados)

Imagem: Retirada da Internet

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